Aos poucos, lá na minha
ilha, fomos criando um grupo de amigos que todos os anos vai crescendo com novas aquisições. Ao princípio encontrávamo-nos na praia, conversávamos das brincadeiras dos filhos, do calor ou do fresco, da água que hoje está mais quente que ontem, do barco que agora acaba às oito e meia, da nova cozinheira do restaurante e por aí fora.
Depois começámos a beber umas caipirinhas ao fim da tarde em casa uns dos outros, a organizar umas jantaradas e agora a coisa está a chegar a um ponto quase comunitário em que cada um oferece o que tem de melhor.
R faz bricolage para quem precisa, E corta cabelos e cozinha massas na perfeição, I põe pensos nas feridas e ligaduras nas entorses, A e P carregam os telemóveis, C pinta unhas dos pés e todos tomamos conta dos 11 ou 12 miúdos, às vezes mais quando há visitas.
Eu, à falta de melhor, ofereci-me para escrever cartas de amor, mas ninguém pareceu muito interessado.
A grande aquisição deste ano, porém, veio do outro lado do atlântico, repleta de dotes.
Bárbara é uma menina carioca, prima de uns veteranos da ilha, que apareceu este ano pela primeira vez, oferecendo simpatia, um belo sorriso, aulas de ginástica na praia e massagens à hora do calor. Maravilha!
Também nos ofereceu algumas histórias impensáveis aqui.
A Bárbara tem (tinha, entretanto vendeu para pagar o último ano de estudos na faculdade) um fusca, que é como lá no Brasil chamam aos carochas. Este fusca foi ganho numa rifa na academia onde ela dá aulas. Quando lhe pedi para me enviar a história por e-mail, ela disse:
"Eu estava um dia na academia e chegou um rapaz passando uma rifa de um Fusca. Sua esposa tinha acabado de ter neném e ele estava precisando da grana, eu para ajudar comprei o número 24, o valor foi de 30,00 reais." 30 reais são 11,11€. Até aqui, tudo bem. Pode-se dizer que a Bárbara é uma mulher de sorte.
O que, nesta história, é impensável cá na terra:
- A Bárbara não tinha "habilitação", ou seja não tinha carta. Nada mais simples: no primeiro dia foi buscar o fusca com um amigo e depois, se calhava a polícia pedir os documentos, ela mostrava a sua carteira sem carta, mas com uma nota de dez reais lá dentro.
- A emoção de ver o seu primeiro carro
"com aquele motor trabalhando a todo o vapor", foi tal, que só mais tarde, quando foi sair pela primeira vez com as amigas, se deu conta de alguns pormenores do fusca: só tinha uma maçaneta para abrir a porta e subir os vidros (isto foi resolvido com um cordel atado à dita maçaneta, para não a perder); o banco do condutor deslizava para trás não deixando os pés chegar aos pedais (o que a Bárbara ultrapassou entalando um banco de cozinha entre o banco da frente e o de trás); o limpa-pára-brisas só ia para a direita (outro cordel para o puxar para a esquerda); não tinha buzina (a isto não sei como é que ela deu a volta, mas provavelmente punha a cabeça de fora e gritava).
- A maior surpresa, contudo, foi quando ela foi abastecer o fusca pela primeira vez. Só aí se deu conta que o seu carro tinha um "kit-gás":
"nossa, onde é que já se viu um fusca com quitchigais!". Como o fusca servia sobretudo para passear com as amigas, foi baptizado de "Fumigas", o fusca das amigas e, lá na ilha, depois de nos contar esta história, a Bárbara passou a ser a "Bárbara com quitchigais".