setembro 09, 2007

Avante camarada


Duas da manhã, telefono ao meu filho que foi para a festa do "Avante!" para saber se está tudo bem. Atende-me e diz do outro lado:

- Então, camarada?
- Isso ainda é assim?
- Oh mãe, toda a gente se trata por camarada...
- Pensei que tinha mudado.
- Não, não, camarada. Fartamo-nos de gozar com isto. Até já camarada.


Como é que pude pensar que tinha mudado? Tosca...

Desde que a festa do "Avante!" é na Atalaia só lá fui uma ou duas vezes há já bastante tempo, por isso nem sei muito bem do que estou a falar, mas lembro-me muito bem de a festa ser na FIL, nos primeiros anos após o 25 de Abril e depois em Monsanto, no Alto da Ajuda.

Por essa altura, militei durante uns tempos nas fileiras da UEC. A minha vida política activa resumiu-se a esses escassos meses. Apesar de adolescente, irritei-me muito rapidamente com o esquema de "democracia" interna que vigorava naquela organização, as células, os controleiros, a aprovação de propostas pelas bases, invariavelmente por unanimidade ou quase, propostas essas elaboradas lá pelos orgãos supremos do partido. A minha passagem pela UEC foi pois meteórica e matou-me alguns sonhos de juventude onde habitavam a verdadeira democracia, a igualdade, a fraternidade, a justiça, a solidariedade, o fim da pobreza extrema e da riqueza obscena.

No entanto, ainda apanhei por esses tempos uma festa do "Avante!" na FIL, onde trabalhei como voluntária, pois então. E foi giro. Nessa altura a festa era muito mais politizada do que creio ser agora. Havia muito mais comícios do que concertos, e muito mais pavilhões dos países de leste do que tascas. Quem montava a festa eram as pessoas do partido e quem ia à festa também. Daí que fazia algum sentido toda a gente ser "camarada".

Hoje em dia, à festa do "Avante!" vão pessoas de todos os quadrantes políticos e sobretudo de quadrante nenhum. Os grupos que actuam já não se chamam "Brigada Vitor Jara" nem "Grupo Outubro" mas sim "Blind Zero" ou "Blasted Mechanism". Pouca gente deve querer saber dos comícios e até já se pode comer um hamburger no Kentucky Fried Chicken.

Neste contexto, não faz muito sentido que se continuem todos a camaradar, não é?

2 comentários:

Anónimo disse...

Incrível - e triste - como acontece igualzinho por aqui, o que medeixa meio melancólica, passadista, saudosista... Onde foram parar os projetos coletivos que embalaram os nossos doces anos de juventude ?

Anónimo disse...

anaparga wrote on Sep 10,
fui a uma festa do avante, apenas uma, e lá ainda assisti a pelo menos um comício - não me pergunte de quem porque eu tinha acabado de chegar a Portugal (1999 ou 2000?)