janeiro 28, 2007

Stop smoking - 2nd week

Tenho de confessar aqui publicamente que a coisa não está a correr como desejado.

De um ou dois cigarritos às escondidas depois do jantar, passei para três ou quatro, depois para cinco ou seis, depois mais um a meio da tarde, depois mais outro antes do jantar e pimba, sexta-feira acabaram-se os adesivos e cá estou eu outra vez no meu ritmo habitual.

Mas como assim não se chega a lado nenhum, amanhã vou à farmácia, compro a porcaria dos adesivos e volto ao princípio. Uma lição pelo menos tirei: não se pode fumar nem um, mesmo às escondidas, mesmo depois do jantar, naquela do "é só um". Há que admitir que isto é uma porcaria de um vício, mas é um VÌCIO mesmo, e tem de ser encarado com a seriedade que merece. Não dá para brincar, não dá para abrir uma única excepção. Um fumador será um fumador toda a vida. Tenho uma amiga que esteve 8 (oito) anos sem fumar. Um dia fumou um cigarro. E pronto, foi o fim. Fumadora outra vez.

Ainda por cima, hoje chegou fresquinho de Paris este livrinho:

160 páginas em formato entre o A6 e o A7 que tenciono ler sempre que me apeteça um cigarrito.

Boa ideia, não?

O livro deve ser chato à brava, cheio de conselhos e métodos, e vantagens e desvantagens que estou careca de saber ou não me teria dado a este empreendimento, de forma que talvez assim me apeteça menos, dado que tenho coisas muito mais interessantes para ler.

Bom, boa sorte para mim e até para a semana, espero que com novidades mais interessantes.

Daddy, daddy


Não sei porque me lembrei hoje disto.

No meu livro de curso o meu pai deixou-me este poema:

Foi densa e foi bela
a caminhada
Mas tão breve…
e já tanta
é a saudade

A vida é isto, Teresa:
após o riso, a lágrima,
de certeza.
Ela virá lá bem do coração,
e a voz fica embargada.
É assim o vírus da Tapada.
Tanta e tanta coisa
um dia a recordar.
Verás, filha, verás
vitórias e derrotas
virão lá da penumbra
do sono da distância …
… um som, uma flor …
um beijo …
Mesmo até a canseira
da velha “Rampa da Asneira”
que subiste,
volvidos tantos anos
que a subi.

Firme foi teu passo
certa a jornada
e agora é já
o Sol
a alvorada,
a luz reivindicada,
no Dia que mereces.

E, se tu me continuas,
e és o meu orgulho,
a minha velha esperança,
do mundo
que sonhei (Quando te vi chegar
ao nosso velho berço
onde eu também chorei)
conquista, nesse mundo,
o teu lugar.

Põe uma estrela,
brilhando, no teu Céu,
que nunca mais feneça.
Defende, nele, o Belo e a Justiça.
Ama-te a ti, amando
a vida
à volta.

Sê alma,
e Paz,
e coração.
Cumpre o Destino
… que engloba,
é bem de ver,
o nosso velho berço
a embalar, de manso,
outro menino.


Não sei porque me lembrei hoje disto.
Mas tenho saudades do meu pai e gosto deste poema.
Daddy, daddy, lá onde estás, sabes que tenho tentado cumprir tudo o que com amor me desejaste.

Chegaste como o sol que nasce numa manhã de Verão, primeiro devagarinho, enchendo o mundo de sombras alongadas e difusas e de repente dando vida às cores e calor às coisas.

E de repente entraste na minha vida rectilínea e transformaste o gráfico dos meus dias numa linha sinuosa como um perfil de montanhas em contraluz, picos iluminados e vales sombrios, rios cantantes e lagos de águas paradas e profundas.

Contaste-me da tua vida, das tuas alegrias e tristezas, dos teus sonhos, e dos meus soubeste de olhos nos olhos, de mãos nas mãos e assim me tocaste o coração.

Não me prometeste nada, mas deste-me rosas vermelhas em poemas como sinais de desejo e ensinaste-me que cada homem é um mito. “Gosto de ti, princesa”, dizias. E eu amei-te.

Os anos passaram e agora vais-te afastando, mais lentamente ainda do que quando chegaste e, como o sol que se põe, deixas atrás de ti outras sombras alongadas e frias.

Não entendo a tua linguagem de silêncios, os teus olhos tristes quando chego a casa e me olhas do sofá da sala, guardando em ti em palavras não ditas o que te faz querer sair da minha vida como o sol que se põe, sem um grito, sem um gesto, sem uma lágrima, deixando-me de braços pendurados, a olhar para ti como uma sombra.

janeiro 26, 2007

Delírios


Minhas mãos inúteis sem a tua pele
Percorrem meus lábios que anseiam os teus
Boca vazia sem a tua a abraçar a minha.

Queria beijar cada ponto do teu corpo
E de olhos fechados pintar em ti o meu desejo
E que assim se revelasse o teu por mim

Queria cheirar o perfume dos teus cabelos
Molhar no teu o meu corpo e abraçar-te
E entre suspiros sussurrar no teu ouvido

Tão baixo e tão suavemente
Que as palavras já não fizessem sentido
Apenas ais de delírio como nunca mais

E ao mergulhar os meus olhos nos teus
Se fossem todos os meus medos
Como a areia que me escorre entre os dedos.

janeiro 24, 2007

Todo o tempo do mundo


A lua está fria. E distante. Tudo está longe de mim. O ar vai ficando mais pesado porque o tempo não passa. Há coisas a começar e a acabar neste exacto instante, vidas e sonhos, e ondas do mar e estrelas, e palavras e encontros…

E eu estou aqui parada. Não sei se à espera que algo comece ou acabe em mim, ou, se pelo contrário, desejando que tudo permaneça estático, imutável como uma fotografia amarelecida pelo tempo, que captou um instante sem passado nem futuro.

Lá fora o mundo corre apressado, tudo se move num contínuo vai e vem de acontecimentos que passam ao lado deste quarto em que me fechei dentro de mim mesma, indiferentes ao tempo que parou em mim.

Olho pela janela e vejo a vida dos outros como um filme que corre rápido de mais. Num minuto um primeiro beijo, no seguinte um adeus para sempre, as flores que desabrocham e logo os frutos que caem de maduros no chão, a maré cheia e logo vazia, todas as fases da lua numa hora, um ribeiro que já é um rio, um barco que chega e parte sem atracar no cais, o Inverno trocado pelo Verão sem dar tempo ao florir da Primavera.

E eu aqui parada. À espera não sei de quê, num quarto abafado pelo tempo que não passa, longe da vida que corre sem mim e a ver passar a dos outros através duma janela fechada.

Hoje abro a janela e sinto que saio por ela, como que flutuando dentro de uma bola de sabão, ao correr da brisa, envolta num silêncio profundo que é esse meu pequeno mundo. E vejo o outro mundo, aquele em que eu não estou, correndo no seu ritmo real e percebo que todas as coisas têm afinal, o seu tempo próprio. O tempo de nascer e de morrer, de sonhar, de arrumar memórias do passado e desenhar lentamente outro futuro.

Olho para o céu e descubro mais uma estrela, o luar da lua cheia fá-la parecer mais próxima e aquece-me a alma, deixo que as ondas me molhem os pés de cada vez que sobem a praia.

Tenho todo o tempo do mundo.

janeiro 22, 2007

Untill the end of the world

Como tantos outros, também nós nos separámos.
Como poucos, ficámos amigos, unidos por um filho que amamos e por uma cumplicidade que faz com que, à nossa maneira, ainda hoje e tantos anos passados, outras vidas refeitas, nos amemos ainda.

Já bem depois de saires de casa , vieste um dia com um dos teus desenhos, este:

onde escreveste, baseada na tradução livre dos U2 de "Untill the end of the world", isto:

Há muito tempo que não nos víamos
Do meu buraco só vejo passar o tempo
A última vez que estivemos juntos
Estávamos perto como irmãos ou noivos,
Comemos, bebemos vinho,
Todos se estavam a divertir, um pouco,
Excepto eu
Eu só falava do fim do mundo.

Gastei dinheiro, comecei a beber,
Vais ter saudades desses dias,
Se pensares neles.
No nosso rio, o meu papel era
A corrente
Beijei os teus lábios, parti-te
O coração.
E tu portaste-te como se fosse
O fim do mundo

No meu sonho nadava em dor
Dor que me envolvia, que
Entrava dentro de mim, que
Redemoinhava por sobre mim.
No meu naufrágio tentava agarrar-me
Ao mundo que tinha destruído
Tu disseste que esperavas
Até ao fim do mundo.

Chorámos os dois, tu partiste como sempre, e eu guardei o desenho, o poema e o teu amor até ao fim do mundo.

janeiro 21, 2007

Não, mas SIM

Este tipo de propaganda pelo “não” que tem vindo a aparecer de uma forma que é tudo menos discreta pelas ruas de Lisboa, deixa-me absolutamente revoltada pelo modo hipócrita como estes adeptos do “não” tentam baralhar a cabeça dos votantes, nós.

Será que estes senhores sabem exactamente o que vai ser referendado a 11 de Fevereiro? Eu acho que sabem. O problema é que há muita gente que não sabe e para quem este tipo de mensagem pode ter um peso decisivo na hora de depositar o papelinho na urna. E é precisamente com esse factor de ignorância que estes senhores contam. A coisa é de tal forma ignóbil, que me ponho a pensar quais serão as intenções perversas e escondidas destes adeptos do “não”, chegando a ficar repugnada com o que a minha fértil imaginação me oferece, de tal forma que prefiro nem falar nisso.

Será que há alguém moralmente bem formado, defensor dos direitos do homem, defensor da vida, que ache que o aborto é a solução ideal para uma gravidez indesejada? Será que alguma mulher que resolve abortar o faz de ânimo leve assim como quem vai à loja comprar pão, e diz lá em casa: “olhem eu vou ali abortar por opção, mas não me demoro nada, venho já acabar de fazer o jantar”.

Neste referendo, não se está a perguntar às pessoas se são a favor ou contra o aborto. Lá no fundo somos todos contra, ou não? Eu, que vou votar “sim”, posso dizer que não sou a favor do aborto, por razões morais, éticas, de princípio, seja o que for, pouco interessa. Neste referendo, o que nos perguntam é se somos a favor ou contra a despenalização do aborto, a pedido da mulher, até às 10 semanas. É tão diferente como a noite do dia, e daí a hipocrisia subjacente aos cartazes e ao discurso estereotipado dos defensores do “não”.

Enquanto defensores da vida, e no que diz respeito concretamente a esta questão do aborto, qual será, qual deverá ser, o nosso primeiro objectivo? Na minha opinião será o de reduzir a quantidade de abortos praticados, e praticados em condições de risco para as mulheres e as famílias.

Vejamos a situação actual: Quem quer fazer um aborto, faz. E fá-lo, basicamente, de duas maneiras possíveis. Ou tem uns dinheirinhos e vai ali a Badajoz, ou não tem e vai à parteira clandestina lá do bairro. Para quem vai a Badajoz, a coisa fica resolvida sem problemas. Para as outras, para além do enorme risco de se submeterem a uma intervenção cirúrgica feita sem o mínimo de cuidados e de dignidade pela pessoa humana, ainda se sujeitam a uma pena de prisão.

Então e se o "sim" ganhar e a legislação for alterada? Bom, quem quer fazer um aborto, faz. Aqui estamos na mesma. Só que:

1 – Fá-lo num estabelecimento hospitalar, com condições de higiene e segurança, não pondo em risco a sua própria vida ou a possibilidade de vir a ter filhos mais tarde (quantas vezes um aborto mal feito provoca a esterilidade da mulher).

2 – Fá-lo após aconselhamento psicológico em que se procura que a mulher esteja absolutamente segura da bondade da sua decisão e em que lhe podem ser dadas alternativas que transformem uma gravidez inicialmente indesejada, numa gravidez que pode chegar a termo, como ajuda financeira durante o período de gestação, ajuda a arranjar emprego, aconselhamento no sentido de gerar a criança e dá-la para adopção, aconselhamento sobre como evitar futuras gravidezes mediante métodos anticoncepcionais adequados and so on and on and on.

Visto isto desta forma, que me parece a forma de encarar esta questão de acordo com a realidade que temos, sem esconder a cabeça na areia, quem defende mais a vida, da mulher e da criança?

Quem conscientemente vota pela despenalização ou quem mistura princípios morais e utiliza apelos de fazer chorar as pedrinhas da calçada, com o único intuito de confundir as pessoas?

Sonhos


Apago a luz, viro-me para o lado, estendo o braço e os lençois do outro lado estão frios.

De repente, sinto a porta do quarto que se entreabe, um salto para cima da cama, o peso de alguém que se acomoda a meu lado e um toque na minha cara, perto da boca, perto do olho, dois toques, três toques a pedir um afago.

Mesmo com cuidado, o toque arranha ligeiramente.

Tiro o braço para fora, mergulho os dedos no pelo macio, acaricio entre as orelhas, debaixo do queixo, nas costas.

Adormeço com o ronronar perto do meu ouvido e sonho contigo.

janeiro 19, 2007

Fobias

Um destes dias o meu filho, que está naquela fase de querer formar uma banda de garagem com uns amigos para a qual procura desesperadamente um nome, mostrou-me este sítio.

Graças a ele descobri muitas coisas interessantes sobre mim e os outros.

Por exemplo, sei agora que não sofro de polifobia nem de afobia, mas a frequência com que tomo banho, sobretudo no verão, levam-me a pensar que talvez tenha uma certa tendência para a automisofobia.

Como vivo em Lisboa, seria completamente tonto ter ursolofobia, mas compreendo perfeitamente que a possa ter quem viva no Alasca ou quem trabalhe no jardim zoológico. Será aí, não propriamente uma fobia mas um medo real. Uma vez vi uma senhora a correr deseperadamente pela Av. da Liberdade abaixo a olhar para trás com um ar aterrado. Agora penso que tinha ursolofobia ou, quem sabe, quifofobia. Eleuterofobia é que não tinha de certeza, senão aposto que tinha descido antes pela Almirante Reis.

De venutrafobia não sofro, a menos que a dita cuja resolva pôr-se a olhar para o meu marido com um ar libidinoso. Nestas ocasiões, minto, e digo à tipa que ele é um incurável crematófobo e, se quiser ser mesmo mazinha, acrescento que os comprimidos que ele anda a tomar para a caetofobia não estão a dar muito resultado, pelo que ela que, está bem, é bonita, mas tem uma abundante penugem nos braços, escusa de ter ilusões.

A minha entomofobia resume-se às baratas e é mesmo forte: grito, paraliso (demonstrando que não tenho quifofobia), fico com os pelos em pé e sou incapaz de lhes pôr um pé em cima (das baratas, não dos pelos). Acho que preciso de umas sessões de terapia. Pelo contrário, estou longe de ter mirmecofobia e é com grande coragem que ataco os carreiros com insecticida.

Foi através desta página que percebi que a minha aversão à palavra “sovaco” (até escrevê-la me incomoda) pode ser um sintoma de uma onomatofobia incipiente. A confirmá-lo, a impressão que tenho de padecer também de hipopotomonstrosesquipedaliofobia, afinal são fobias do mesmo foro, dada a dificuldade que tive quando tentei aprender alemão e a minha relutância em marcar consulta para o otorrinolaringologista, por mais que me doam os ouvidos.

O dinheirão que gasto em cremes, de dia, de noite, de contorno dos olhos, de corpo, de mãos, em tónicos, em seruns e em toda uma parafernália de loções, só pode significar que tenho uma forte ritifobia.

Quando era pequenina tinha coulrofobia, mas nunca me foi diagnosticada. Apenas percebo agora porque razão continuo a detestar o circo. No entanto, não me recordo de alguma vez ter tido um episódio, mesmo que fugaz de paderofobia.

Não tenho de certeza deipnofobia, mas faço uso duma mageirocofobia inexistente quando a preguiça me impede de fazer o jantar. Aproveito, digo que me sinto particularmente mageirocófoba e lá vamos todos jantar fora, evitando as ostras que, por me terem provocado sempre grandes indisposições das últimas vezes que as comi, me transformaram numa ostraconófoba declarada.

Sei agora que um colega de abundante cabeleira e que de cada vez que me encontra me pergunta se eu não noto a sua crescente falta de cabelo, padece com toda a certeza de falacrofobia ou então de catoptrofobia.

Quando transporto sacos, malas ou carteiras, faço-o normalmente do lado direito o que prova a ausência de dextrofobia.

Julgo que haveria ainda muito para dizer, mas o texto já vai longo, tal como a minha falta de paciência.

Apenas posso acrescentar que não tenho de certeza: sarmassofobia, hedonofobia, filemafobia nem escopofobia, antes pelo contrário.

Também não tenho metrofobia, gnosiofobia, ideofobia nem fronemofobia.

E não tenho, de certezinha absoluta, e ao contrário de muita gente, metatesiofobia.

janeiro 18, 2007

Stop smoking - first week



Stop smoking, fumar mata, os fumadores morrem prematuramente, proteja as crianças: não as obrigue a respirar o seu fumo, e mais a massa que se gasta, e a roupa e a casa a cheirar a tabacum, e a boca de manhã a saber a cinzeiro e videos como este aqui em cima, e alimentar as multinacionais, e a saúde, e o cancro do pulmão, e a pele, e sei lá que mais, e pronto lá me decidi.

Desde dia 12 que, graças a uns adesivos que vou conscienciosamente colando em diferentes partes do corpo, passei de um maço e meio por dia, às vezes mais, a um ou dois cigarritos fumados às escondidas depois do jantar.

O facto é que, mesmo assim, custa como o caraças. Então decidi, para não me esquecer, deixar aqui registadas de vez em quando, algumas das diferenças que vou sentindo:

1 - Tusso francamente menos;
2 - Canso-me menos a subir escadas, e rampas, e ladeiras e tal;
3 - A minha casa e o meu gabinete de trabalho cheiram menos mal;
4 - Talvez seja boa vontade minha, mas acho que tenho a pele com melhor.

E para já é tudo


janeiro 16, 2007

Sorriso

Guardo no bolso preciosidades que fui colhendo ao longo da vida.

Pedrinhas, conchas, um pequeno porta chaves com um mundo de coca-cola que um amor antigo me deu, flores secas em papelinhos que apanhei em vários pontos do mundo, dezenas de pequeninos ovos de chocolate na minha caixa do correio numa Páscoa já distante, o meu nome escrito à socapa no troço do muro de Berlim que esteve exposto no CCB, uma fotografia do meu pai, bilhetinhos de amor trocados nos bancos da escola, olhares, sabores, beijos, sorrisos, sussurros na orelha, palavras de amor ditas e ouvidas, afagos que dei e recebi.


São tantas as coisas, que quando quero alguma, muitas vezes tenho de tirar tudo para fora e, depois de muita busca por meio do cotão e dos restos de migalhas, lá consigo encontrar o que procuro. Nessas alturas, aproveito para limpar tudo, tirar o cotão e as migalhas, e relembrar em cada objecto a memória que me fez guardá-lo.

Este sorriso foi das últimas coisas que guardei no bolso. Como está lá há pouco tempo, é fácil de encontrar. Ainda está por cima das outras coisas, (não lhes tenho mexido muito ultimamente), esperando que outras preciosidades se lhe juntem e o empurrem um pouco mais para o fundo, até nova arrumadela.

Gosto de sorrisos e deste em especial pois roubei-o quando olhava para mim. É bonito este sorriso e de cada vez que o tiro do bolso para o olhar, algo se liquefaz no meu peito e sinto-me feliz.

janeiro 15, 2007


Nos dias seguintes à execução de Sadam Hussein, pelos menos três crianças enforcaram-se em diferentes pontos do mundo. Porque brincavam e tiveram azar ou porque queriam experimentar a dor do agora mártir.

No dia 11 de Janeiro em Paris, M, após dois dias sem notícias de S, a sua namorada, foi encontrá-la pendurada pelo pescoço no tecto do seu apartamento, bem aprumada e vestida, fugindo da única maneira que foi capaz a um desgosto de amor, tão enforcada como os outros e deixando M com a culpa a dilacerar-lhe a alma.

Ontem, a mulher de J, não resistiu a um cancro. Decerto que não escolheu, como S, esta saída. Com 40 anos, deixou dois filhos pequenos e um marido com o olhar espantado de quem não percebe o que lhe aconteceu.

Não sei porque estas coisas se ligam na minha cabeça, apenas a morte as une, mas não é esse o fim que nos liga a todos?

A água sobe e desce na nora, num perpétuo e equilibrado movimento sem fim, o peso que faz descer um lado impele o outro a subir.

Como o peso da morte e a leveza da vida para uns, pode ser a leveza da morte e o peso da vida para outros. Aparentemente opostos, mas, tal como a nora, num perpétuo movimento sem fim.

Não sei que diga mais. Talvez, uma banalidade, como, sejamos como a hera e agarremo-nos à VIDA.


janeiro 14, 2007

Origamis pela Paz

Quando tinha quatro ou cinco anos aprendi a fazer estes grous de papel no jardim infantil. Ensinaram-me bem, pois nunca mais me esqueci. O que não me ensinaram, foi que em Hiroshima, depois da bomba, uma menina sobrevivente acreditou que se conseguisse fazer 1000 grous de papel se salvaria. (No Japão, o grou é um símbolo de felicidade e longevidade).
Vi os grous que ela fez no Museu Memorial da Paz em Hiroshima, pequeninos como seriam certamente pequeninos os seus dedos e, inevitavelmente, comovi-me com esta história. Desconheço se chegou aos mil, mas sei que não sobreviveu. Esta história tornou-se conhecida e ainda hoje o monumento Paz das Crianças, perto do museu, está sempre rodeado de milhares de grous de papel, feitos por crianças de todo o Japão, como um apelo à paz em todo o mundo.
Agora, que começa um novo ano, não seria bom que alguns senhores deste planeta aprendessem a fazer grous de papel?


janeiro 12, 2007

Também gosto de Tom Jobim... com Vinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

Gosto mesmo de Vinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure

Gosto de Vinícius de Moraes

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

janeiro 06, 2007

Ela abraçou-se a ele e disse baixinho “deixa-me amar-te”.

Ele não respondeu. Durante muito tempo sentira a falta de afecto, da ternura de alguém que, como ela, conseguisse entrar em si e compreender todo o seu eu. Sentia-se só, incompreendido, mal amado, estranho na sua própria casa, como mais um quadro na parede ao qual a mulher limpava escrupulosamente o pó e que as vizinhas sempre comentavam quando iam lá a casa “que belo quadro Amélia, que lindo fica aqui na tua sala”, ou como um anel, um colar que a mulher usava quando saía e mostrava às amigas que logo “que bem que te ficam essas jóias, Amélia”.

Estranho na sua própria casa, ocupava o seu tempo com pequenas coisas que lhe davam prazer e o isolavam daquele mundo que era o dele e Amélia.

Uma colecção de selos que manuseava com mil cuidados de pinça e lupa, registando datas, descobrindo motivos, decifrando na enciclopédia o significado de nomes exóticos de animais, plantas e lugares.

Um aquário que mantinha imaculadamente limpo e para onde olhava perdido durante horas, observando o eterno vaivém dos peixinhos coloridos brincando com as bolhinhas de ar que saíam de um búzio que encontrara na praia.

As plantas em vasos na varanda, que regava, a que cortava as folhas secas e das quais aguardava a chegada das primeiras flores em cada primavera.

Sentia-se só, estranho na sua própria casa, mal amado, mas ao longo dos anos construíra um muro à sua volta onde raramente deixava entrar quem quer que fosse. E, se de vez em quando, muito de vez em quando, aparecia alguém, como ela, a quem, numa esforçada tentativa de mudança, ele deixava abrir uma pequena brecha no muro da cidadela em que deliberadamente se encerrara, se abraçava a ele e dizia “deixa-me amar-te”, acabava por fazer sempre o mesmo.

E foi o mesmo que fez daquela vez. Não disse nada, soltou-se suavemente do abraço, pegou em tijolos, cimento, areia e água e voltou a fechar o muro. Lá no fundo sabia que, embora se sentisse mal amado, estranho na sua própria casa, carente de ternuras e afectos, era apenas assim que gostava e sabia estar. Pois que, ao fim de tantos anos a sentir-se como um quadro ou uma jóia de Amélia, perdera a capacidade de saber receber qualquer manifestação de afecto sem se sentir deslocado do lugar que sempre fora o seu. Ela, ficou do lado de fora, com o coração cheio de nada a dizer baixinho para o muro fechado: “eu sei que te podia fazer feliz”.

janeiro 05, 2007

Desenho de Movimento

Outubro 2006


Desde que me lembro de ser gente que gosto de fazer desenhos. Infelizmente, Deus, ou mais provavelmente o código genético que me foi legado pelos meus pais, não me dotaram com o talento correspondente ao prazer que tenho em desenhar. Rabisco sempre que posso. Na toalha de mesa do restaurante, na sala de espera do consultório, em entediantes reuniões que não acabam, no comboio, no avião. Os resultados não são propriamente assustadores, mas estão longe de interessar quem quer que seja para além de mim própria e, mesmo a mim, satisfazem muito pouco.

Novembro 2006
De forma que este ano concretizei finalmente um desejo já antigo e inscrevi-me no curso de desenho da SNBA.

O programa é rígido, o grau de liberdade praticamente nulo. Logo na primeira sessão somos convidados a esquecer tudo o que fizemos antes, todos os conceitos e preconceitos relativos ao
desenho e abrir a cabeça à abordagem que nos é proposta.

As sessões são de duas horas, invariavelmente de modelo nu. A primeira parte consiste sempre num “aquecimento” que dura cerca de 20 minutos. Durante esse tempo o exercício é sempre o mesmo: “desenho de movimento”. Isto significa que o modelo se move continua e rapidamente e ao aprendiz de desenhador cabe captar um momento, fixá-lo na memória e desenhá-lo num minuto, dando a ideia de movimento. O lápis deve correr solto pelo papel numa única linha contínua, ora mais leve, ora mais pesada, evitando seguir os contornos da figura.

Janeiro 2007
Em dois meses sinto que já fiz progressos. Os primeiros desenhos, carregados de linhas que se repetem, tornam-se agora mais leves e mais expressivos, a mão trabalha mais solta, as imagens fixam-se melhor na memória.

Mas, acima de tudo, nestas duas idas semanais à SNBA, por pior que tenha sido o meu dia, por mais preocupações que tenha, naquelas duas horas liberto a cabeça de tudo o resto, concentro-me na folha branca à minha frente onde aos poucos se vão delineando as formas, ouço no silêncio da sala apenas o riscar dos lápis, mais suaves, mais vigorosos, consoante as posições que o modelo vai tomando nos inspiram.


janeiro 04, 2007

Quando, por qualquer motivo, sinto que preciso de estar um pouco só comigo própria, pego no carro e vou para a beira-rio.

Conforta-me descansar os olhos nas águas mansas do Tejo.

Vejo barcos que passam, pescadores, pessoas que passeiam ou apanham sol, outros solitários sentados nos bancos ou vagueando por ali e dou comigo a pensar: de quantas lágrimas é feita esta água?

janeiro 03, 2007

Diálogos Secretos


Vá lá, só mais uma vez, por favor,
já não aguento mais....
Tira-me este pombo da cabeça.....





É que nem penses. Já viste o que me aconteceu da última?
O safado levou-me quatro dedos!


Ouvi dizer que o arco-iris tinha entrado no coração de um homem e por lá ficara. Talvez por isso e, apesar de o sol, as nuvens e a chuva se conjugarem de forma propícia, não o tenha visto ultimamente.

Do boato constava também que, a partir daquele momento, este homem se reconciliara com a vida e que passara a sorrir sem razão aparente.

Este facto, que um homem tenha aprisionado o arco-iris no seu coração, pareceu-me notícia digna de merecer a atenção dos media, dado que, a confirmar-se privaria o resto da humanidade de poder contemplá-lo e usufruir da sua magia. No entanto, sobre este assunto, não li nada nos jornais, não vi nada na televisão, não ouvi nada na rádio, não vi sequer cartazes nas ruas dando conta da ocorrência, daí que me tenha permitido duvidar da veracidade da informação.

Mas o que é certo é que, efectivamente, o arco-iris nunca mais foi visto.

Andei preocupada durante uns dias até que hoje, subitamente senti a luz e o calor a entrarem devagarinho no meu peito e a iluminarem a minha alma. Foi quando o vi, cruzando o céu de Oeste para Leste em toda a sua plenitude e aterrando em mim.

Concluí então que o arco-iris salta incessantemente de coração em coração e apenas se deixa ver no exacto momento em que os seus dois extremos habitam simultaneamente os corações de dois seres que aprenderam a sorrir sem razão.

janeiro 01, 2007

GRAFFITTIS



Gosto de graffittis. Gosto de os fotografar. Gosto de ler as mensagens deixadas por anónimos a outros anónimos, mensagens de raiva, de amor,


de desejos, por vezes simples necessidade de deixar uma marca própria nos muros da cidade, de repente transformados em telegramas, em pinturas sem jeito, por vezes em obras de arte. Gosto do lado clandestino de fazer uma coisa proibida, de imaginar sombras a correr no escuro da noite tropeçando em latas de tinta e pincéis, esquecendo sprays e moldes para trás.


Quero muito quê - dinheiro?

Um dia destes passei em frente do El Corte Inglês e, pintada a letras amarelas nos separadores de plástico que condicionam o trânsito durante as obras que ali se arrastam, a frase “Ângela, por favor sê feliz comigo”. Imaginei a Ângela a sair cansada das oito horas atrás do balcão para apanhar o autocarro e deparar-se com aquela prova de amor supremo: “Ângela, por favor sê feliz comigo”. Ele não pede que ela lhe dê nada, não exige nada, apenas quer que ela seja feliz e com ele. Se eu fosse a Ângela e este rapaz me agradasse, corria sem hesitações para os seus braços. Que mais pode uma mulher querer dum homem do que ele tenha como maior desejo o fazê-la feliz e não se envergonhe do o dizer, em letras garrafais a quem passa?
E depois, às vezes, ganhamos destas surpresas.
Ainda hoje tenho dúvidas se quem me ofereceu esta fotografia, encontrou isto assim, por um acaso da vida, ou se, também clandestino e pela calada da noite, lá foi deixar esta mensagem, expressamente para mim. Prefiro pensar que foi esta última hipótese.

E, malgrado a barafunda em que muitas paredes se transformam, a trabalheira que é para os serviços municipais limpar e voltar a limpar as paredes (e este lado efémero dos graffittis também me encanta), a falta de respeito que muitos “autores” demonstram por determinados locais, deixando mensagens em monumentos e estatuária, continuo a gostar de graffittis e a fotografá-los sempre que posso.