maio 03, 2007

contar pelos dedos


Chego a esta altura do ano e começo a contar pelos dedos as semanas que faltam para ir para a minha ilha. Não é que a ilha seja mesmo minha, mas como é de todos e de ninguém e, com o passar dos anos, criei com ela laços indeléveis de afectividade, permito-me chamar-lhe "a minha ilha".

Na minha ilha vivo ao ritmo do sol e dos barcos que chegam e vão. Aliás, na minha ilha, o tempo divide-se fundamentalmente entre o tempo com barco e o tempo sem barco. Poder-se-ia dizer que estes dois tempos correspondem aproximadamente à noite e ao dia, mas é neste "aproximadamente" que reside toda a diferença. Os dois momentos mais especiais do dia são entre o acordar e a chegada do primeiro barco e entre a partida do último barco e o põr-do-sol. É nestas alturas que a minha ilha é mais minha. Porque a praia está quase deserta; porque as primeiras e últimas pegadas na areia podem ser as minhas; porque o primeiro e o último banho podem ser os meus; porque o jantar começa com os últimos raios de sol a espelharem a ria e acaba com velas a tremeluzirem mosquitos; porque o silêncio impera, apenas quebrado pelas ondas que derretem na areia.

Na minha ilha, quando estão aquelas noites mesmo quentes, usa-se o "ar condicionado marroquino": portas e janelas abertas onde se penduram paréos molhados que a brisa agita e refrescam os quartos.

Na minha ilha não há electricidade, nem água aquecida por esquentador; na minha ilha ninguém usa sapatos; na minha ilha "arranjar-se para jantar" significa tirar o sal dos cabelos e da pele com um duche tomado com água aquecida ao sol em garrafões de plástico, vestir uma t-shirt lavada e umas calças largas, velhas e leves.

Na minha ilha "sair à noite", significa pegar numa lanterna e ir dar dois dedos de conversa a casa dos amigos, juntar os gravetos e madeiras velhas recolhidas durante o dia e conversar até apetecer à volta de uma fogueira com um copo de vinho numa mão e chouriço assado na outra.

Faltam oito semanas e meia para ir para a minha ilha.

1 comentário:

SC disse...

:)
A descri�o dos dias � mesmo muito semelhante.
Se bem que a ilha para onde vou tem imensos barcos e j� se estragou com a electricidade. Tamb�m n�o � t�o despovoada como parece ser a "tua".
Mas era tal e qual h� uns... hummm... 15 anos, talvez. E como recordo esses ver�es!

N�o sabia dessa t�cnica de ar condicionado. Brilhante!

Eu ainda vou ter de esperar mais umas semanas para ir at� ao "para�so".

Gostei. :)