agosto 17, 2007

testamento


Conta-lhe dos sons e das cores da tua casa quando menino.

Conta-lhe do cheiro dos livros, do pó a dançar nos raios de sol que se livravam das persianas, do perfume a maçãs num cesto de vime na cozinha, das abelhas a zumbir nas videiras do quintal.

Conta-lhe do doce aroma das laranjeiras em maio, da terra molhada em novembro, da música do gelo a derreter do beirado do telhado quando o vento começava a trazer a primavera.

Conta-lhe do perfil das serras esbatido pela bruma, do ondular das searas, do canto dos pássaros.

Conta-lhe do musgo macio que apanhavas para o presépio, do crepitar da lareira, dos fritos com canela na noite de natal.

Conta-lhe das rãs a coaxar no charco, das ovelhas que passavam para o pasto, do borrego que tiveste ao colo e te mamou no dedo, dos campos que mudavam de cor com o correr das estações.

Conta-lhe do silêncio, das pedras do caminho, do vento a esvoaçar folhas no outono, dos dentes-de-leão que sopravas espalhando as sementes para longe.

Conta-lhe de tudo o que já esqueci e te deixei para que não morresse.

2 comentários:

Gonçalves disse...

5*

Anónimo disse...

anaparga wrote on Aug 21
um beijo, Teresa, pelas coisas que você escreve