Põem-me dentro de uma caixa num apartamento em Lisboa. Quando a caixa se volta a abrir os cheiros são todos diferentes. Saio com cautela, abro as narinas e aspiro o ar com força. Tacteio o chão onde se me enterram as patas, deambulo devagar a reconhecer o sítio, roço os bigodes por todos os lugares. Não vejo o sofá, nem as camas, nem a mesa onde me costumo espreguiçar num raio de sol. Não vejo os telhados nem o rio ao longe, nem ouço as andorinhas a esvoaçar piando.
Vejo verde, árvores com as folhas a adejar ao vento, um chão de tijoleira, um deck de madeira que cobre a areia e um muro. O cheiro novo e forte aguça-me de novo os sentidos. Quero ver o que há para lá do muro.
E de repente, sem saber como, dou comigo em cima das árvores passeando pelos troncos como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. As unhas afinal não são só para rasgar os sofás; são fantásticas para estas incursões no mundo vegetal. Daqui de cima vejo o mar ali tão perto, a brancura do areal, o colorido dos chapéus de sol, as pessoas. Logo à noite, quando não houver lá ninguém, vou ver como é o mar mais de perto.
Entretanto, caço pardalinhos em ataques surpresa ou fico-me por aqui, a dormitar, dissimulado por entre a folhagem e de cauda pendurada.
Como um leopardo.
6 comentários:
Porque eu não nasci gato???
Só porque temos ADN diferentes??
Que chatice!!!
Bj
Instinto...
Lindo, lindo, lindo! Eles ficam tão mais lindos assim - selvagens.
Lindo texto. Mesmo para fazer sentir.
Nem quero pensar o que dirão os meus enfiados durante 10 horas numa caixa num porão de um avião...
Grande texto, T.!
Uma das grandes alegrias que tenho na vida é a qualidade de escrita das pessoas que escolhi (também se aplica à Mad, que comentou antes de mim).
Quando a isso se soma um bónus como a fotografia que puseste... é o paraíso!
Beijo.
Enviar um comentário