Aqui há uns bons anos atrás tive um ódio de estimação por uma colega.
Irritava-me o tom de voz demasiado alto, as mini-saias, os decotes generosos, os saltos de agulha, o cabelo estilo juba, o bamboleio, tudo aquilo me tirava do sério.
Por isso, quando me cruzava com ela, fazia a minha cara número 3 e durante uns meses trabalhámos no mesmo piso trocando breves bons-dias azedos ou mesmo nada. Ela, por seu turno, achava-me convencida e antipática. Sei disto porque mais tarde tivemos de trabalhar juntas e acabámos ficando amigas. Eu percebi que aquilo tudo não era defeito, era feitio mesmo, deixei de fazer a tal cara nº 3 e acabámos várias noites no B-Leza a beber cervejas e a dançar mornas e funanás.
Na fase do mútuo ódio de estimação, aconteceu um dia ela passar ao fim da tarde pela minha sala (que dava acesso à de reuniões) quando já só estava eu. Entrou com um rancho de gente atrás para a sala de reuniões, passando por mim como boi por palácio. Quando me vim embora, já tardote, a reunião decorria ainda e, sendo regra que o último a sair deveria fechar a porta à chave, eu, má, pensei: ah não me viste quando entraste? então eu cá também não te vi. E tranquei-a e mais aos outros lá dentro. Nunca cheguei a saber como fez para sair, nunca falámos sobre isso.
Hoje, seria incapaz de fazer a mesma coisa. Vai-se crescendo, aprendendo a respeitar as diferenças e a dar menos importância a estas coisas.
Não sei bem por que raio de associação de ideias, lembrei-me disto hoje quando vinha do ensaio, a pé como sempre, e cumprimentei com um boa-noite alguns desconhecidos com quem me cruzei pelo caminho, enquanto pensava que numa terra mesmo pequena toda a gente se cumprimenta quando se cruza na rua. Em Lisboa, se fizéssemos isso, seria com certeza mais simpático, mas ao fim de um trajecto de meia-hora teríamos a boca seca. Assim, passamos pelos outros como se não existissem, limitando-nos a um "perdão!" se por acaso nos tocamos de raspão.
No entanto à noite, as coisas são diferentes. Parece que regressamos a desconhecidas origens rurais e perdemos a indiferença da urbanidade. Os outros deixam de ser objectos de quem nos desviamos no caminho, passamos a cruzar olhares e a trocar sorrisos de boa-noite, como se a ausência de luz nos tornasse a todos mais visíveis e palpáveis.
Acho mesmo que a noite nos faz melhores.
Irritava-me o tom de voz demasiado alto, as mini-saias, os decotes generosos, os saltos de agulha, o cabelo estilo juba, o bamboleio, tudo aquilo me tirava do sério.
Por isso, quando me cruzava com ela, fazia a minha cara número 3 e durante uns meses trabalhámos no mesmo piso trocando breves bons-dias azedos ou mesmo nada. Ela, por seu turno, achava-me convencida e antipática. Sei disto porque mais tarde tivemos de trabalhar juntas e acabámos ficando amigas. Eu percebi que aquilo tudo não era defeito, era feitio mesmo, deixei de fazer a tal cara nº 3 e acabámos várias noites no B-Leza a beber cervejas e a dançar mornas e funanás.
Na fase do mútuo ódio de estimação, aconteceu um dia ela passar ao fim da tarde pela minha sala (que dava acesso à de reuniões) quando já só estava eu. Entrou com um rancho de gente atrás para a sala de reuniões, passando por mim como boi por palácio. Quando me vim embora, já tardote, a reunião decorria ainda e, sendo regra que o último a sair deveria fechar a porta à chave, eu, má, pensei: ah não me viste quando entraste? então eu cá também não te vi. E tranquei-a e mais aos outros lá dentro. Nunca cheguei a saber como fez para sair, nunca falámos sobre isso.
Hoje, seria incapaz de fazer a mesma coisa. Vai-se crescendo, aprendendo a respeitar as diferenças e a dar menos importância a estas coisas.
Não sei bem por que raio de associação de ideias, lembrei-me disto hoje quando vinha do ensaio, a pé como sempre, e cumprimentei com um boa-noite alguns desconhecidos com quem me cruzei pelo caminho, enquanto pensava que numa terra mesmo pequena toda a gente se cumprimenta quando se cruza na rua. Em Lisboa, se fizéssemos isso, seria com certeza mais simpático, mas ao fim de um trajecto de meia-hora teríamos a boca seca. Assim, passamos pelos outros como se não existissem, limitando-nos a um "perdão!" se por acaso nos tocamos de raspão.
No entanto à noite, as coisas são diferentes. Parece que regressamos a desconhecidas origens rurais e perdemos a indiferença da urbanidade. Os outros deixam de ser objectos de quem nos desviamos no caminho, passamos a cruzar olhares e a trocar sorrisos de boa-noite, como se a ausência de luz nos tornasse a todos mais visíveis e palpáveis.
Acho mesmo que a noite nos faz melhores.
3 comentários:
Depois de 27 anos de Lisboa, os 10 de Caldas habituaram-nos a cumprimentar toda a gente. Quando o fazemos em Lisboa os outros estranham, chegam até a olhar de lado. Eu insisto e penso que os vencerei pelo cansaço, pelo menos a mim faz-me bem um "bom dia" ou um "olá". Então, porque não tentar fazer os outros sentirem o mesmo? O meu pai, do alto dos seus quase quase 74 anos, trabalha no edifício castil há 21 anos e saúda todas as pessoas que passam por ele que pela sua insistência se habituaram a fazer o mesmo.
O resultado é bem melhor nos meios pequenos sem dúvida.
Friezas da nossa sociedade.
Agora, que foste mázinha, lá isso foste.
Sim, sim... Sobretudo a dormir! :)
é é...
o alcool também ajuda né?
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