Ela abraçou-se a ele e disse baixinho “deixa-me amar-te”.
Ele não respondeu. Durante muito tempo sentira a falta de afecto, da ternura de alguém que, como ela, conseguisse entrar em si e compreender todo o seu eu. Sentia-se só, incompreendido, mal amado, estranho na sua própria casa, como mais um quadro na parede ao qual a mulher limpava escrupulosamente o pó e que as vizinhas sempre comentavam quando iam lá a casa “que belo quadro Amélia, que lindo fica aqui na tua sala”, ou como um anel, um colar que a mulher usava quando saía e mostrava às amigas que logo “que bem que te ficam essas jóias, Amélia”.
Estranho na sua própria casa, ocupava o seu tempo com pequenas coisas que lhe davam prazer e o isolavam daquele mundo que era o dele e Amélia.
Uma colecção de selos que manuseava com mil cuidados de pinça e lupa, registando datas, descobrindo motivos, decifrando na enciclopédia o significado de nomes exóticos de animais, plantas e lugares.
Um aquário que mantinha imaculadamente limpo e para onde olhava perdido durante horas, observando o eterno vaivém dos peixinhos coloridos brincando com as bolhinhas de ar que saíam de um búzio que encontrara na praia.
As plantas em vasos na varanda, que regava, a que cortava as folhas secas e das quais aguardava a chegada das primeiras flores em cada primavera.
Sentia-se só, estranho na sua própria casa, mal amado, mas ao longo dos anos construíra um muro à sua volta onde raramente deixava entrar quem quer que fosse. E, se de vez em quando, muito de vez em quando, aparecia alguém, como ela, a quem, numa esforçada tentativa de mudança, ele deixava abrir uma pequena brecha no muro da cidadela em que deliberadamente se encerrara, se abraçava a ele e dizia “deixa-me amar-te”, acabava por fazer sempre o mesmo.
E foi o mesmo que fez daquela vez. Não disse nada, soltou-se suavemente do abraço, pegou em tijolos, cimento, areia e água e voltou a fechar o muro. Lá no fundo sabia que, embora se sentisse mal amado, estranho na sua própria casa, carente de ternuras e afectos, era apenas assim que gostava e sabia estar. Pois que, ao fim de tantos anos a sentir-se como um quadro ou uma jóia de Amélia, perdera a capacidade de saber receber qualquer manifestação de afecto sem se sentir deslocado do lugar que sempre fora o seu. Ela, ficou do lado de fora, com o coração cheio de nada a dizer baixinho para o muro fechado: “eu sei que te podia fazer feliz”.
janeiro 06, 2007
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2 comentários:
Olá ! Muito obrigada pela sua visita ao meu blogue. Também gostei do seu e vou voltar certamente . um beijinho e boa semana
Obrigada, pelo comentário e volte sempre. São estas palavras amigas que nos dão força para continuar
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