Há coisas que eu acho que só me acontecem a mim.
No ano passado fiz uma viagem de 3 semanas à Coreia do Sul e ao Japão.
Viajo habitualmente com a mesma operadora turística, francesa, que faz viagens "em liberdade". São grupos que não ultrapassam em geral as 10, 12 pessoas, acompanhadas por um funcionário da operadora que se ocupa de marcar hoteis, comboios, carrinhas ou jipes, o que for. Os itinerários estão mais ou menos definidos à partida, mas podem ser alterados se o grupo assim o entender. Nos locais de paragem cada um faz o que lhe apetece. Gosto desta forma de viajar, pois escapo à parte chata da logística e ao mesmo tempo tenho um razoável grau de liberdade.
Como já fiz várias viagens destas, acabei por fazer amizade com um acompanhante que conheci numa delas e já parti com ele várias vezes. Bom, desta última, fui para Paris de véspera, como habitualmente, pernoitei em casa do meu amigo e no dia seguinte lá partimos de mala aviada para Roissy, onde nos iríamos encontrar com o resto do grupo.
Chegados ao ponto de encontro ele recolhe a documentação, apresenta-se ao grupo e lá vamos para a bicha do check in do voo da noite para Séul. Quando chega a nossa vez, começo a perceber que se passa qualquer coisa de anormal. Muita conversa, Arno, o meu amigo, a ficar cada vez mais enervado, eu a fazer conhecimento com os outros e, às tantas, ele chama-me de lado e diz-me:
- Ouve, trabalho nisto há 15 anos e é a primeira vez que isto me acontece. O meu voo era hoje de manhã e este avião está cheio! Ninguém me avisou! Não vou poder partir com vocês. Quanto dinheiro tens?
- 800 euros, digo eu.
- Ok, eu tenho mil da agência mais 500 meus. O resto tenho em traveller cheques, não os podes levantar. Tens que te amanhar com os meus 1500 e os teus 800 e levar esta gente até ao hotel em Séul. Estão previstas 2 noites. Se for preciso ficas 3. Tens de pagar o hotel à chegada. Eu lá hei-de ir ter. Contactamos por e-mail.
Rabiscou rapidamente num papel a morada do hotel, o nº do autocarro que devíamos apanhar no aeroporto, o nome da paragem, um esquema com o percurso desde a paragem até ao hotel.
Esta conversa durou 5 minutos, eu de boca aberta o tempo todo, a olhar para ele sem acreditar no que estava a ouvir. Estávamos em cima da hora.
Teresa, disse ele, tens de fazer isto. Não conheço nenhum dos outros. Se não estivesses comigo, nem sei como me havia de desembrulhar desta alhada.
Ok, disse eu. Guardei o dinheiro, a papelada e segui-o enquanto ele ia explicar o que se passava aos outros.
- Meus amigos, aconteceu isto, bla bla bla. Está aqui a Teresa, é portuguesa mas fala bem francês, é minha amiga, já viajou comigo várias vezes, tenho inteira confiança nela. É ela que vos vai levar até Séul, tratar do hotel, refeições, etc. Eu vou tentar chegar amanhã ou o mais tardar depois. Vão-se embora rápido. O embarque já começou.
E foi-se embora.
Eu, fiz o meu maior sorriso e o ar mais descontraído do mundo, como se tivesse feito aquilo toda a vida, enfiei as mãos nos bolsos para evitar que tremessem e disse: "Bom, então embora para Séul? O Arno vai conseguir chegar, não se preocupem, vai tudo correr bem."
E lá segui, com 11 franceses atrás de mim, como se soubesse o caminho.
Correu tudo bem. Encontrei o autocarro, saí no sítio certo, o recepcionista do hotel que mal falava inglês queria que eu pagasse 10 vezes o preço dos quartos (insistia em enganar-se num zero). Enquanto os outros se instalavam, procurei um sítio simpático para levar o grupo a jantar, outro para o pequeno almoço da manhã seguinte e um café internet para ver se havia mensagens de Arno. Havia. Tinha conseguido lugar num voo no dia seguinte. Respirei de alívio.
Ofereci-me o direito de não partilhar o quarto naquela primeira noite e no outro dia propus uma visita matinal ao palácio imperial, almoço por conta de cada um bem como a tarde, e encontro no hotel às 7 para jantar.
Depois do almoço regresso ao hotel. Arno tinha chegado e dormitava no meu quarto. Atirei com o saco para o chão. (Nos hoteis tradiconais, só há um ou dois colchões finos no chão)
- Puxa, ainda bem que chegaste.
Contei-lhe o meu desempenho como acompanhante.
Levei um raspanete, porque tinha gasto muito dinheiro no pequeno almoço.
-És maluca tu! Então foste dizer aos outros para comerem o que quisessem? Isso nunca se faz. Pedem logo o que há de mais caro. Gastaste num dia o que estava previsto para 3. Agora vamos ter de comprar iogurtes, pão, doce e fruta para comer nos quartos. Estou feito contigo, eu.
Agarrei numa almofada e atirei-lha para cima.