março 13, 2007

Mais um fim-de-semana em que não fui à terra

Mais uma vez este fim-de-semana não fui à terra, pela simples razão de que não tenho nenhuma. Inveja não é coisa bonita de se ter, mas eu tenho. Por exemplo, nunca poderei ser o segundo interlocutor de um diálogo assim:

“Então, que tal o fim-de-semana?”
“Óptimo, pá. Fui à terra.”

A terra é uma coisa que algumas pessoas têm. Para se ter terra, a condição essencial é não se morar no sítio onde se nasceu. Outra é não se ser de uma cidade grande. Não me imagino a viver na Merdaleja, vir uns dias a Lisboa e no regresso dizer aos amigos que fui à terra. Convenhamos que não tem jeito. A última condição é que na terra haja terra e uns quantos familiares vivos e outros mortos, devidamente enterrados no cemitério do sítio. Explicando melhor, os meus pais eram duma vila, entretanto promovida a cidade, do Ribatejo. No entanto, quando eu era pequena e íamos a casa dos meus avós, nunca dizíamos que íamos à terra. Isto porque os senhores moravam numa rua de pequenas moradias geminadas com um quintalinho atrás, um galinheiro, uma coelheira, uma ameixeira e meia dúzia de couves tudo em, vá lá, 200 m2 alugados juntamente com a casa. Não chega para ser terra.

Terra mesmo, é um sítio pacato, inundado de sol no verão e de humidade no Inverno, a cheirar a campo, a lareira, a estábulo, com abelhas a zumbir, o vento a levantar remoinhos de terra do chão e onde é absolutamente necessário limpar muito bem os pés antes de entrar em casa.

Na terra há pelo menos uma casa, um espaço à volta donde se pode perder o olhar até longe, animais e campos de cultivo.

Na terra há sempre uma daquelas lojas que vendem tudo, ancinhos, rolos de corda, bolacha Maria a peso, pó para as pulgas, alguidares e pijamas e onde as pessoas se encontram para darem dois dedos de conversa, beberem um copo de três e saberem notícias uns dos outros e dos que vêm de fora para passarem o fim-de-semana na terra, coisa que os locais raramente entendem mas que muito apreciam.

Quando se vem da terra, o carro vem atulhado de batatas, cebolas, alhos, fruta, hortaliças e dois ou três bichos de capoeira, já devidamente depilados e prontos para se porem na panela. Todas estas coisas, escusado será dizer, têm um sabor e em cheiro que não têm nada a ver com o que se compra no Continente.

É por isto tudo que tenho alguma inveja das pessoas que vão à terra.

Eu, como este fim-de-semana não fui à terra, semeei o manjericão nos vasos da varanda ao lado da hortelã, que está bem crescida, como faço todos os anos. Já tentei tomate-cereja, salsa e coentros, sem grande sucesso. A minha varanda não é a terra, mas é o que há.

4 comentários:

Pitx disse...

post perfeito

José Pedro Viegas disse...

Essa terra pertença de muito do nosso imaginário é tal e qual a descreves. Cores, cheiros e sentidos.
Bonito ver escrever com conta peso e medida (que quando queres... brilhas).

Bic Laranja disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bic Laranja disse...

Se o Pitxaime não tivesse dito 'post' (um barbarismo escusado) subscrevia-lhe o comentário na tintegra. Assim fica só perfeito.
Cumpts.