março 20, 2007

Cinco dias no Transiberiano

Gosto de andar de comboio. Tendo tempo, acho que é a melhor maneira de percorrer uma grande distância sem ter de passar por todas as maçadas inerentes a uma viagem por estrada: não há preocupações com o trânsito, com o lugar para arrumar o carro, com as paragens para esticar as pernas, com a procura de hotel, restaurante e todas essas coisas.

Num comboio é possível apreciar as alterações da paisagem entre o ponto de partida e o de chegada, conhecem-se pessoas, joga-se às cartas, contam-se anedotas, lêem-se livros, ciranda-se de um lado para o outro, encosta-se o nariz à janela para ver campos, cidades, vilas e aldeias a desfilar diante dos nossos olhos como num filme.

Viajar num dos grandes comboios do mundo era pois um dos itens da minha lista de “coisas a fazer antes de morrer”, de maneira que lá me organizei para fazer parte do percurso do transiberiano, um dos comboios que habitam o imaginário de qualquer globetrotter que se preze.





Dos 9 dias de viagem do "Rússia" entre Moscovo e Vladivostoc, fiz cerca de metade, até Irkutzk, junto ao lago Baikal, para aí apanhar um avião de segurança duvidosa para Ulan Bator (mas disso falarei talvez noutro dia).

O "Rússia" tinha aí umas 20 carruagens entre 1ª, 2ª e 3ª classes e um vagon-restaurante. Na 2ª classe, onde viajei, as carruagens têm um corredor lateral que dá acesso a 8 compartimentos com 4 couchettes cada, um quartinho para o responsável pela carruagem (que tranca as portas dos compartimentos e wc’s durante as paragens, vende chocolates e pin’s do tempo da URSS, põe água na chaleira e verifica se toda a gente se porta bem), dois wc’s sumários equipados com sanita e lavatório (esqueçam o duche) e um espaço fechado em cada ponta para os fumadores matarem o vício. Digamos que não é um grande conforto, mas aguenta-se.

Como percurso, não posso dizer que este troço seja muito interessante. Grande parte do trajecto faz-se em zonas relativamente planas e arborizadas (os Urais atravessam-se de noite), pelo que o comboio segue emparedado entre duas cortinas de árvores que não deixam ver para muito longe.

É um túnel verde, com aberturas de quando em vez nas zonas mais habitadas que deixam entrever campos de cultivo, casas de madeira com telhados de zinco, uma paisagem pobre, desarrumada e triste.
Esta monotonia que desfila pelas janelas, leva-nos a prestar mais atenção ao que se passa dentro do comboio. A grande maioria dos passageiros é gente com poucas posses que utiliza o comboio porque não tem dinheiro para o avião. As 18 pessoas do meu grupo constituíam a totalidade de turistas presentes e, durante os cinco dias de trajecto, foram as únicas utilizadoras do restaurante (para o final, já encomendávamos as refeições a nosso gosto, embora a ementa fosse tudo menos variada). Os restantes passageiros alimentavam-se com o que tinham trazido com eles e com o que iam comprando nos cais em cada paragem, por isso no segundo dia já se notava uma diferença significativa entre a nossa carruagem (onde ocupávamos 5 dos 8 compartimentos) e as outras, no que respeita à qualidade do ar.

As paragens são os grandes momentos de diversão durante o dia para quem vai no comboio e um extra no rendimento das populações locais que trazem para os cais as suas home-made delicatessen a fim de abastecer os viajantes. Sempre que o "Rússia" parava, era certo que lá estavam eles em fila, bem alinhadinhos ao longo do cais, de tachinhos e alguidares no chão, com peixe seco, pão, bolos, enchidos, pernas de frango já cozinhadas e embrulhadas em papel celofane, tomates, pepinos e salada de couve branca (acompanhamento invariável de qualquer refeição na Rússia).

E bom, à parte os cinco dias sem tomar banho, foi uma experiência interessante, mas menos do que eu estava à espera, ou seja a não repetir.

Lá terei de fazer o Transmongoliano, o Pequim-Moscovo (só até Irkutzk, claro) e o Expresso do Oriente.

É que sabem, eu gosto mesmo de andar de comboio.

5 comentários:

Pitx disse...

não és mulher não és nada se não me perfilhares durante as tuas próximas férias.

tcl disse...

É pá desde que pagues a tua parte, como és maior e tal, perfilhar-te não implica que me arrombes o orçamento, está à vontade. Para a próxima estou a pensar no Mali. Qué tal?

Pitx disse...

não brinques comigo, se me perfilhares, terás concerteza direito a abono de família.

descontas daí, para irmos ao mali.

(curiosamente conheci um gajo do mali. um gajo de cadeira de rodas que estava à porta da embaixada da frança em santos. acreditas que o pus a andar? é mais uma daquelas histórias que só acontecem a mim)

Braza disse...

muita cool
dó ré mi

Anónimo disse...

anaparga wrote on Mar 20, edited on Mar 20
Olá, Teresa! Gostei de ver as fotos. Lembrei de uma amiga que também fez todo esse caminho pelo transiberiano. Nunca pude conversar com ela sobre detalhes da viagem, e tive pena. Taí: era algo que eu gostaria de fazer, até porque adoro andar de comboio.
E nós, quando é que sai o nosso café?
beijinhos,
Ana