Aproxima-se do carro em passinhos miúdos, tão perto que lhe posso ver o amarelo do olho encerrando uma pupila negra e uma mancha vermelha na ponta do bico.
Prende-lhe a atenção um pedaço de papel pardo, molhado no molhado do chão. Debica-o, talvez na esperança de um resto de hamburguer, o vento a levantar-lhe as penas do dorso. Uma rabanada mais forte e o papel dois metros ali à frente. Fica parada medindo os passos até lá, hesitando na validade do esforço, e opta por mais uns passinhos e umas quantas bicadas. Não vá alguém estar a olhar e dá-la por parva, faz valer o trajecto com uns golinhos na poça de água onde o papel se ficou e afasta-se de novo até à beira do cais, como se, pensando bem, aquele papel engordurado não tivesse a menor importância.
Fica assim, virada para o vento, abanando ligeiramente ao seu sabor sobre as linhas direitas das patas e as folhas dos pés, olhos amarelos curiosos ora no cais ora no rio. Chega um carro e levanta voo. Vida de gaivota.
Fico por ali mais um tempinho de pensamentos mergulhados na água indecisa entre o verde e o cinzento, mas seguramente fria, arrepiada de espuma branca e molhada.
Viro a chave para o ronronar do motor, manobro a saída e vejo de novo a minha gaivota. Tenho a certeza de que é ela, o mesmo peito branco, os mesmos olhos amarelos de pupila negra curiosa, os mesmos passinhos curtos sobre as linhas direitas das patas, a mancha vermelha na ponta do bico, as penas castanhas na cabeça que misturadas com as brancas lhe dão um tom grisalho de frente para o vento. Sorrio para dentro, imbecilmente feliz por a minha gaivota ter regressado para o pé de mim.
Uns metros mais à frente vejo outra, procuro diferenças e constato que afinal é igualzinha à minha. Olho de novo para trás e não há dúvida: a minha gaivota parada no mesmo sítio, a gémea aqui. Nada me garante agora que a minha gaivota seja de facto a minha gaivota e, no entanto, fosse eu gaivota e não me escapariam decerto pormenores que fazem de cada gaivota uma gaivota única. Fosse eu gaivota e não distinguiria uma pessoa no cais de outra pessoa no cais. Fosse eu gaivota e decerto iria pousar perto da minha pessoa, sem perceber que afinal, a minha pessoa era outra pessoa qualquer.
Prende-lhe a atenção um pedaço de papel pardo, molhado no molhado do chão. Debica-o, talvez na esperança de um resto de hamburguer, o vento a levantar-lhe as penas do dorso. Uma rabanada mais forte e o papel dois metros ali à frente. Fica parada medindo os passos até lá, hesitando na validade do esforço, e opta por mais uns passinhos e umas quantas bicadas. Não vá alguém estar a olhar e dá-la por parva, faz valer o trajecto com uns golinhos na poça de água onde o papel se ficou e afasta-se de novo até à beira do cais, como se, pensando bem, aquele papel engordurado não tivesse a menor importância.
Fica assim, virada para o vento, abanando ligeiramente ao seu sabor sobre as linhas direitas das patas e as folhas dos pés, olhos amarelos curiosos ora no cais ora no rio. Chega um carro e levanta voo. Vida de gaivota.
Fico por ali mais um tempinho de pensamentos mergulhados na água indecisa entre o verde e o cinzento, mas seguramente fria, arrepiada de espuma branca e molhada.
Viro a chave para o ronronar do motor, manobro a saída e vejo de novo a minha gaivota. Tenho a certeza de que é ela, o mesmo peito branco, os mesmos olhos amarelos de pupila negra curiosa, os mesmos passinhos curtos sobre as linhas direitas das patas, a mancha vermelha na ponta do bico, as penas castanhas na cabeça que misturadas com as brancas lhe dão um tom grisalho de frente para o vento. Sorrio para dentro, imbecilmente feliz por a minha gaivota ter regressado para o pé de mim.
Uns metros mais à frente vejo outra, procuro diferenças e constato que afinal é igualzinha à minha. Olho de novo para trás e não há dúvida: a minha gaivota parada no mesmo sítio, a gémea aqui. Nada me garante agora que a minha gaivota seja de facto a minha gaivota e, no entanto, fosse eu gaivota e não me escapariam decerto pormenores que fazem de cada gaivota uma gaivota única. Fosse eu gaivota e não distinguiria uma pessoa no cais de outra pessoa no cais. Fosse eu gaivota e decerto iria pousar perto da minha pessoa, sem perceber que afinal, a minha pessoa era outra pessoa qualquer.
4 comentários:
como nos fazem divagar as Larus cachinans...
silvia
as coisas que tu sabes, Sílvia...
ah, mas eu também sei que por ali não havia Laurus nobilis :-))
Que prazer, ler um texto destes. Faz-me o favor de ires mais vezes filosofar para o pé do rio, sim?
vou sempre que posso... meia-horinha a seguir ao almoço. refresca-me o dia :-)
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