abril 07, 2008

águas de abril

O vento faz as águas do rio navegarem em sentido contrário defronte dos teus olhos hoje tão líquidos.

Vês as manadas de carneirinhos subindo o Tejo em contra mão, indiferentes às gaivotas paradas no ar, felizes saltitando de onda em onda e a rirem-se de ti.

Vês a tua vida que anda para trás, tão igual às águas que sobem quando deviam descer, tão igual ao mar que desagua neste rio cinzento, como cinzenta te sentes.

De repente uma nuvem que se desfaz sobre o rio e sobre ti que o vento fustiga e torna tudo tão líquido à tua volta como líquidos os teus olhos.

Rompe o Sol fugaz entre as nuvens, o rio subitamente não cinzento mas verde e castanho, o ferry de Porto Brandão que passa vazio tocando a manada de carneiros, que assim trota Tejo acima com mais afinco, acicatada pelas gaivotas que piam como cães pastores, e tudo isto te faz sentir ainda mais perdida dentro de ti, impotente para nadar contra esta maré inversa que é a tua vida e este rio, afogada na água que tens dentro e que faz os teus olhos líquidos mas que deles não sai porque secou.

7 comentários:

Diabba disse...

Então moça? toca a obrigar a maré a ir para o curso que deveria ter, e manda calar as gaivotas!

beijo d'enxofre

ana v. disse...

Ainda estou sem fôlego, tcl... este texto é uma beleza!! A "manada de carneirinhos" é uma imagem espantosa, e tudo o resto é igualmente bonito.
Parabéns, poética prosadora!
Beijos

MariaV disse...

Lindo!
Um beijo

Charlotte disse...

Ainda que triste, o teu texto é belíssimo! Concordo: poesia em prosa.

Sofia K. disse...

Ela pinta, ela canta, ela escreve... a menina não dança ou toca violino?

Que beleza de texto.
Beijinhos

Di Napoli disse...

Mais uma prosa "daquelas"...
Olha lá, isso empresta-se? :)
Beijos!

CPrice disse...

cheguei via Porta do Vento que felizmente aberta me permitiu apanhar a corrente de ar e aqui ficar retida num dos textos mais sentidos que tenho lido ultimamente.
Parabéns por isso e Obrigada *