abril 06, 2008

de vez em quando a minha cabeça...

... enche-se de palavras antigas. Saem das gavetas da memória sem que as chame, fazem-se convidadas e tenho de levar com elas dias a fio.

Em geral não me importo. Quando isto acontece, é com palavras boas, palavras amigas que me marcaram em épocas da vida mais ou menos próximas ou distantes ou as duas coisas.

Já tinha dito aqui que amava este disco, "Drama 3º Ato" de Maria Bethânia. Amo-o por muitas razões, todas elas indeléveis no meu coração. E uma delas é pelos textos que Maria Bethânia diz neste disco como só ela podia ter feito. Poemas de Fernando Pessoa, textos de Carlos Lacerda e Antônio Bivar e poeminhas da própria cantora, de Isabel Câmara e de Clarice Lispector

São as palavras desses poeminhas que me assltaram hoje, sem apelo nem agravo.

Eu não sou apenas essa hora
Em que me vês precipitada
Eu não sou senão uma de minhas bocas
Eu sou uma árvore ante o meu cenário.

...........................

Enquanto me permite o destino
Eu vou sendo os personagens
Que eu criei
Mas na vida tem sempre aquele
Que me indica
A ilusão como caminho.

...........................

Dizem que há mundos lá fora
Que nem nos sonhos eu vi
Mas que importa todo mundo
Se o mundo todo é aqui.

...........................

Eu conheço de perto a loucura
Ela mora no meu sangue
E me conta sempre com voz mansa
Que o amor é o sol
Dos que se prezam.

...........................

Pra onde vai minha vida
E quem a leva?
Por que eu faço sempre o que eu não queria?
Que destino contínuo se passa em mim e na treva
Que parte de mim
Que eu desconheço é que me guia.

..........................

Eu vou tentar captar o instante já
Que de tão fugitivo não é mais
Porque tornou-se um novo instante
Cada coisa tem um instante em que ela é
Eu quero apossar-me do é da coisa
Eu tenho um pouco de medo
Medo ainda de me entregar
Pois o próximo instante é desconhecido

3 comentários:

Sofia K. disse...

Adoro a Bethânia, ainda no Sábado de manhã estive a ouvir o disco novo dela... 'Dentro do Mar tem rio', maravilhoso. O meu preferido é o Imitação da vida, pelos poemas de Pessoa. Estou sempre a ouvi-lo, de tempos a tempos!

A tua entrada de hoje também me trouxe à memória inúmeras palavras antigas! Sabem sempre bem, não é verdade?

beijinhos

ana v. disse...

Também gosto imenso da Bethânia, e deste disco em particular. "Ai, esse cara tem me consumido..." Trouxeste-me imensas lembranças agora, nem imaginas quantas e quais!
Beijo

Anónimo disse...

Minha vida não é essa hora abrupta
em que me vês precipitado.
Sou uma árvore ante meu cenário;
não sou senão uma de minhas bocas:
essa, dentre tantas, que será a primeira a fechar-se.

Sou o intervalo entre as duas notas
que a muito custo se afinam,
porque a da morte quer ser mais alta...

Mas ambas, vibrando na obscura pausa,
reconciliaram-se.

E é lindo o cântico.


(Rainer Maria Rilke)