fevereiro 06, 2007


Perco o medo de soltar os meus sonhos da caixa de Pandora onde os encerrei.

Abro a caixa e eles ficam a flutuar no quarto, lá bem perto do tecto onde não lhes chego, a olharem para mim com sorrisos trocistas e aquele arzinho de como quem diz querias?. Finjo ignorá-los, miro as unhas com mal disfarçado desinteresse, vou até à janela como se o que está lá fora me atraísse, a ver se algum se descuida e se deixa apanhar. De costas voltadas, ouço-os esvoaçar, um restolhar de asas, sussurros que não entendo, uma agitação crescente.

Detestam ser ignorados, os sonhos, e por sabê-lo, faço este jogo de escondidas, só para os desorientar. Estes, para mais, depois de fechados tanto tempo, agora que se apanharam à solta, teimam em chamar-me a atenção mas não querem que eu lhes pegue, talvez com receio que eu os enfie de novo na caixa.

Não é essa porém a minha intenção. Soltei-os porque quero vivê-los de novo, porque me fazem falta, porque a vida sem sonhos não tem qualquer interesse. Fechei-os há uns tempos por medo do que me faziam sentir, por vezes rir, por vezes chorar, por vezes ficar assim quieta, absorta, entretida a acrescentar-lhes mais um pedacinho, a mimá-los, a alimentá-los, a vestir-lhes uma roupa bonita, a penteá-los, a dar-lhes banho, a fazer-lhes festas, e acontece que há alturas em que o coração não aguenta tamanha dedicação. Por isso os encerrei, convencida que poderia viver mais tranquila sem eles.

Só que não posso. Eu não sou eu sem os meus sonhos, por mais absurdos, infantis ou irrealizáveis que possam ser. Sem sonhos, fico parada no tempo, sem ver nenhuma luz ao fundo do túnel para onde avançar.

E assim aqui estou, de testa encostada ao vidro frio da janela, com os sonhos que esvoaçam pelo quarto atrás de mim, até que algum me cuide distraída e me poise no ombro, de forma que eu o possa agarrar e com mil cuidados de novo o alimentar no meu coração.

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