fevereiro 27, 2007

Andorra outra vez 2




Eu não dizia?

Que fui eu fazer para lá, alguém me explica?

E o pior é que, desta vez, até estava a gostar.

E fazia um sol do Senhor.

E até nem caí do saca-rabos e subi nos tele-skis e desci deles na maior e vinha por aí abaixo aos ésses a curtir aquilo à brava e a pensar para a próxima venho com o meu namorado e vai ser tão bom e ó.

E o pior é que me apetece ir outra vez e ainda rompo a porcaria dos ligamentos do outro joelho.

Alguém me ajuda a ter juízo?

fevereiro 25, 2007


Não sei como vim parar a este sítio, a esta casa com o jardinzinho à volta, no meu quarto outra cama ao lado da minha onde dorme uma velha que não conheço, que nunca vi antes, todas as noites ali ao meu lado a fazer barulhinhos esquisitos enquanto dorme, sei que se chama Otília porque de manhã a menina de bata branca que nos vem abrir as cortinas da janela lhe diz
então, D. Otília, vamos levantar e fazer o nosso xixizinho?,
e para mim
e a minha querida, dormiu bem? A seguir já trato de si.

Não lhe respondo, tal como não respondo a ninguém, há tempos que decidi que não falava mais, para quê, se ninguém entende o que digo, eu a contar coisas importantes que me tinham acontecido, a boneca que ficara sem um braço, a Alice que me tinha puxado as tranças na escola, o primo Gilberto que me chamava para trás do celeiro em casa dos meus avós, me pedia para levantar as saias e ficava a mirar as minhas pernas com um olhar estranho, pois eu a contar estas coisas e os meus filhos a trocarem olhares com ar de caso, os filhos dos meus filhos
ó mãe, a avó já não diz coisa com coisa, não pode estar assim sozinha em casa,
e eu cheia de pressa para sair e devolver “Os Desastres de Sofia” à Clotilde que era filha do dono da farmácia e tinha livros, bonecas de loiça, um cãozinho de corda e outras maravilhas, e de caminho passar em casa da tia Marquinhas para trazer o pão, e a minha filha
ó mãe sossegue, já não está na terra, está aqui connosco em Lisboa, a tia Marquinhas já morreu há mais de 20 anos, a Clotilde em Maio passado, deixe-se estar aí sentadinha, vá lá,
e eu que combinei jogar às escondidas no largo da Igreja antes da escola e se chego atrasada a Alice puxa-me as tranças outra vez, e não me posso esquecer da sacola com a lousa e o giz, pois se não levo tudo direitinho, a professora dá-me com a régua nas mãos.

Pois como nunca ninguém percebia nada do que eu contava, fechei-me em copas e resolvi que não dizia mais nada e se calhar foi por isso que vim aqui parar a esta casa com um jardinzinho à volta, uma velha na cama ao lado da minha chamada Otília mas que eu não conheço, e um espelho no quarto que deve estar estragado, porque quando olho para ele não vejo uma menina de bochechas rosadas e tranças, mas sim uma velha de cabelos brancos e olhar perdido a fitar-me com a minha boneca nos braços como se fosse dela.

fevereiro 16, 2007

Decompondo a luz - laranja


Claro que há o fruto que dá o nome à cor, e há o pêssego e a nêspera e a abóbora, há um imenso ramalhete de flores, um caranguejo na ria, a falésia a reflectir-se no mar do Algarve e tantas coisas mais.
Há imagens de pessoas com quem me cruzei em diversos lugares vestidas desta cor, meninas a dançar crump, tocadores de instrumentos musicais desconhecidos para mim, um monge que atravessa o meu campo visual ao longe, templos, uma mulher mal equilibrada nas sandálias tradicionais vivendo o sonho de ser gueixa por umas horas, vestida e penteada a rigor.





















Mas falo de uma outra dimensão, não de coisas pequeninas que nos cabem numa mão, não de pessoas nem de casas, mas sim de uma paisagem imensa que um dia me encheu os olhos, de dunas ondulantes de uma areia macia e dourada quando lhe bate o sol.

O ar limpo e seco do deserto deixa-se atravessar sem obstáculos pela luz, pintando a paisagem de fortes contrastes de luz e sombra, em formas que o vento moldou em curvas de corpo de mulher, deixando a superfície da duna lisa e virgem de pegadas.







Subo a duna e é como se fosse a primeira pessoa do mundo a pisá-la, a enterrar os pés nus naquela areia quente. Lá em cima descubro recantos planos no meio das dunas, como ilhas de sal, donde saem troncos de árvores tão secas como tudo o que me rodeia até perder de vista.









Não conheço nada mais laranja neste mundo que as dunas de Sossussvlei na Namíbia.


fevereiro 15, 2007

Andorra outra vez

Lá vou eu outra vez e não gosto. Não gosto do frio, de ficar molhada, de insistir em tentar esquiar e acabar por nunca sair destas pistas aqui de cima, cada dia com as pernas a tremer mais de cansaço e de medo de vir por ali a baixo desgovernada a gritar "CUIDADO!" e acabar por me atirar para o chão para não matar ninguém.
Não gosto de cair, feita parva, nos saca-rabos, de arrastar-me penosamente para o lado para não levar em cima com o que vem a seguir, de ter de tirar os skis de cada vez que caio, pois sou incapaz de me por em pé com aquilo preso às botas.


Não gosto quando os dias estão como este aqui, em que não se vê nada a 10 metros de distância e o vento nos faz bater a neve na cara.

Gosto de grandes espaços, de desertos, de deixar o meu olhar perder-se bem longe e estas montanhas a toda a volta oprimem-me, angustiam-me e assustam-me.

Então porque vou?

Porque ando há dois anos a recusar este prazer ao meu filho e este ano não fui capaz de dizer não outra vez.

Porque quando está sol e consigo esquiar um bocadinho, na descida mais suave, bom, talvez na outra a seguir, sem cair e a fazer tudo bem, sinto-me a maior.

Porque gosto de passar umas horas nas águas quentes da caldeia e vir cá fora ao frio em fato de banho a deitar vapor por todo o lado.

E depois porque posso tirar fotografias como estas aqui em baixo. Toda a cor em preto e branco.



fevereiro 11, 2007

The man I love is Caetano Veloso

Quando George e Ira Gershwin compuseram isto, não imaginavam concerteza que uma das mais bonitas interpretações ia ser, anos mais tarde, de um brasileiro.

Caetano, por favor, não pares nunca!

someday he'll come along
the man I love
and he'll be big and strong
the man I love
and when
he comes my way
I’ll do my best to make him stay
he'll look at me and smile
I’ll understand
and in a little while
he'll take my hand
and though it seems absurd
I know we both won't say a word
maybe I shall meet him Sunday
maybe Monday
maybe not
still I’m sure to meet him one day
maybe Tuesday
will be my good news day
he'll build a little home
just meant for two
from which
I’d never roam
who would, would you?
and so all else above
I’m waiting for the man I love

fevereiro 10, 2007

Dias assim

Há dias assim. Acordamos assim, vamos fazendo as coisas assim, passamos o tempo assim e não saímos disto. Hoje é um dia assim. Faço o que tenho a fazer, mas não tudo, faço o que não tenho de fazer, deambulo pela casa, começo e não acabo, sento-me, levanto-me, decido, desisto, pego num livro que largo a seguir, abro o frigorífico e constato que as prateleiras vazias mas não vou às compras, o cão olha-me de soslaio com um ar de crítica velada, o gato aceita cinco minutos de carícias e não mais.

Parece que tudo me passa ao lado, entre mim e o resto do mundo esta coisa translúcida e viscosa que me embota os sentidos e me impede de sair de mim mesma, de tocar a vida e de por ela ser tocada, de me sentir nos lugares, de trocar olhares, de sentir algo mais que o coração que bate, o sangue que circula nas veias, o cérebro que vagueia sem tino.

Sem tino vai de recordação em recordação, de sonho em sonho, de lugar em lugar.Penso nas pessoas que já passaram pela minha vida, amigos, conhecidos e outros nem isso. Apenas toques de raspão no percurso da vida, por vezes quentes como o fogo, por vezes gelados como a neve, deixando recordações de alegria ou de profunda tristeza.

Talvez por hoje estar a pensar mais nisso que o habitual, me sinta assim, perdida, sem rumo, metida dentro duma concha donde não me apetece sair a não ser para gritar

fevereiro 06, 2007


Perco o medo de soltar os meus sonhos da caixa de Pandora onde os encerrei.

Abro a caixa e eles ficam a flutuar no quarto, lá bem perto do tecto onde não lhes chego, a olharem para mim com sorrisos trocistas e aquele arzinho de como quem diz querias?. Finjo ignorá-los, miro as unhas com mal disfarçado desinteresse, vou até à janela como se o que está lá fora me atraísse, a ver se algum se descuida e se deixa apanhar. De costas voltadas, ouço-os esvoaçar, um restolhar de asas, sussurros que não entendo, uma agitação crescente.

Detestam ser ignorados, os sonhos, e por sabê-lo, faço este jogo de escondidas, só para os desorientar. Estes, para mais, depois de fechados tanto tempo, agora que se apanharam à solta, teimam em chamar-me a atenção mas não querem que eu lhes pegue, talvez com receio que eu os enfie de novo na caixa.

Não é essa porém a minha intenção. Soltei-os porque quero vivê-los de novo, porque me fazem falta, porque a vida sem sonhos não tem qualquer interesse. Fechei-os há uns tempos por medo do que me faziam sentir, por vezes rir, por vezes chorar, por vezes ficar assim quieta, absorta, entretida a acrescentar-lhes mais um pedacinho, a mimá-los, a alimentá-los, a vestir-lhes uma roupa bonita, a penteá-los, a dar-lhes banho, a fazer-lhes festas, e acontece que há alturas em que o coração não aguenta tamanha dedicação. Por isso os encerrei, convencida que poderia viver mais tranquila sem eles.

Só que não posso. Eu não sou eu sem os meus sonhos, por mais absurdos, infantis ou irrealizáveis que possam ser. Sem sonhos, fico parada no tempo, sem ver nenhuma luz ao fundo do túnel para onde avançar.

E assim aqui estou, de testa encostada ao vidro frio da janela, com os sonhos que esvoaçam pelo quarto atrás de mim, até que algum me cuide distraída e me poise no ombro, de forma que eu o possa agarrar e com mil cuidados de novo o alimentar no meu coração.

fevereiro 05, 2007

Contactos sino-lusos

Hoje recebi no meu blog duas visitas da China.
Constato assim que já se vêm resultados positivos da visita do primeiro ministro e sua comitiva ao gigante asiático.

Stop smoking - 3rd week

Bom, nem vale a pena estender-me muito, já que as diferenças em relação à semana anterior são praticamente nulas, excepção feita ao fim-de-semana, em que mantive o ritmo dos outros dias.
Contas feitas, aguento-me durante o dia, mas depois do jantar fraquejo. Não passo de um verme sem força de vontade. De qualquer forma, não desisto. A quantidade de cigarros fumados é substancialmente inferior ao que era há 3 semanas atrás. Espero conseguir esta semana estar nem que seja um dia, sem fumar um único cigarro. Vamos lá a ver. Isto é mesmo difícil, maldita nicotina... bolas.

fevereiro 04, 2007

Acordo ortográfico? Para quê?

Aconteceu-me que um amigo parisiense, fotógrafo, escritor e editor, me pediu para lhe traduzir para português um pequeno livro de bolso sobre a Capoeira. Mais fotografias e legendas que propriamente um grande texto, edição original bilingue (inglês/francês) a facilitar a tarefa (o que não vai por um lado vai pelo outro) e lá acedi de bom grado, amizade é para estas coisas e até me dá um certo gozo este tipo de desafios, já que traduções e escrita não são propriamente a minha área. Lá fiz a tradução, pedi opinião a outro amigo, esse tradutor de verdade, que me deu os ámens e pimba, mail para Paris.

Passaram-se uns mesitos e sexta-feira chega o segundo pedido. "Minha querida" e outros mimos adequados à ocasião, "sabes que isto agora é para editar outra vez em bilingue, mas desta vez em inglês/português, só que o público-alvo é sobretudo brasileiro, de maneira que pedi aqui a um amigo que viveu uns anos no Brasil para adaptar a tua tradução a português do Brasil, vê lá se achas bem?"

Não sei se estão a ver a trapalhada: tradução de inglês/francês para português de Portugal, adaptado para português do Brasil por um francês? Torci o nariz mas lá me enchi de brios, peguei no grande "Novo Aurélio - Dicionário da Língua Portuguesa - Século XXI", a bíblia de qualquer tradutor que se preze e dispus-me à tarefa de verificar gerúndios, partículas possessivas em ordem inversa, eliminação de alguns cês e pês que nos abrem as vogais mas que eles não usam, formas lusas e brasileiras de n palavras, acentos agudos que passam a circunflexos, mais uns tremas para enfeitar e a coisa até que ia andando.

Claro que acabei por concluir que boa vontade e Aurélios não chegam, por mais livros brasileiros que se tenha lido, que telenovelas não consumo, obrigada, e acabei por enviar os textos a uma amiga de um amigo, amizade é para estas coisas, brasileira de verdade e ligada às letras, para desbravar a coisa.

É que por mais acordos ortográficos que tentemos fazer, (será que ainda há quem tente?) a verdade é que esta língua que nos une, à custa do tanto mar que nos separa, cada vez é menos a mesma.

fevereiro 03, 2007

Decompondo a luz - Vermelho

Vermelho.
Lábios, rosas, morangos, cerejas, malaguetas, uma melancia cortada ao meio. Um campo de papoilas. Fogo, calor, vinho. Bandeiras, sinais de trânsito, uma ponte sobre um rio.











Cerveja kingfisher, anúncios em restaurantes de praia, especiarias nos mercados, pintas no meio da testa das mulheres, colares de flores, saris.











Barretinhos nas cabeças de pequenos budas de pedra, dança de leques em Hanoi, templos, estátuas e pinturas de deuses, uma praça em Moscovo.
Balões e estrelas de papel.













Lenços que pela sua forma identificam grupos, guardas fardados a relembrar passados de glória.










Danças modernas e danças antigas nos mesmos palcos da mesma vida.













Vermelho em tantas recordações de tantos lugares.
Céu vermelho quando o sol se põe e já não se vê.
Vermelho é também o sangue que me corre nas veias e me faz bater o coração.