abril 19, 2007

Princípio de Peter

A recordação mais antiga que tenho do JRS data daquela célebre noite em que ele, ainda muito puto, fazia de pivot no telejornal e de repente rebenta a guerra do golfo em directo. Ok, a malta lá na RTP deve ter ficado à rasca, os seniores deviam estar todos de folga e de um momento para o outro têm uma coisa daquela envergadura nas mãos e só um pivot junior, ainda por cima com cara de Bugs Bunny, para tratar do assunto. Mas bom, convenhamos que o JRS até conseguiu aguentar a coisa, mais hesitação menos hesitação.

Estou plenamente convencida que lhe saiu a sorte grande nesse dia. Passou a ter outro destaque, outra posição. E foi por aí subindo até ocupar o estatuto que tem hoje, chegando a fazer reportagens de guerra (como no Líbano, há pouco tempo) para as quais não tem nem talento nem os ditos no sítio. Basta vê-lo com o seu coletinho caqui cheio de bolsos, a olhar para todos os lados e para a câmara só lá de vez em quando, não vá algum mau saltar de trás de uma pedra. Aquilo não é para toda a gente, pronto. Para mim, por exemplo, nem pensar. Por isso é que não sou jornalista de guerra.

E, por conhecer os meus próprios limites, também não sou escritora, nem pintora, nem fotógrafa. Tenho hobbies, é isso.

Ora aqui o JRS não conhece os seus próprios limites. Note-se que eu não pretendo fazer crítica literária, longe de mim. Mas há coisas que não percebo. E uma delas é: como é que este tipo vende 110.000 exemplares (10ª edição desde Outubro de 2006) deste livro (grosso ainda por cima e sabemos bem como os portugueses são preguiçosos nisto das leituras) “A fórmula de Deus”? Como? Como é que isto é possível? A única explicação que tenho é a guerra do golfo e o efeito bola-de-neve que me apanhou a mim também.

Pois é. Aqui há umas semanas entrei na Bulhosa, dei uma volta pelos escaparates, não vi o que procurava, perguntei ao senhor que vasculhou no computador para confirmar que não havia, dei mais uma volta, fui aos tops de vendas e pensei, bom, deixemo-nos de preconceitos, afinal nunca li nada deste tipo, 110.000 exemplares há-de querer dizer qualquer coisa e lá comprei o livrito.

Bom, já há muito tempo que não lia nada de tão inconsistente (e li tudo até ao fim, aplicadíssima). Enredo que pretende ser de suspense, mas que não tem nenhum. Personagens incredíveis utilizadas para explicar aos leitores as coisas que o JRS pensa que eles não sabem, a CIA (essa mesma, a dos americanos) com um comportamento idêntico ao da GNR da merdaleja, enfim, fiquei pasmada.

Só umas coisinhas para se perceber melhor o ridículo dos tesourinhos deprimentes que aqui vou deixar mais à frente. Os heróis são: um historiador português, professor universitário e eminente criptólogo mundial (tá-se a ver, não tá-se?); uma cientista iraniana da área da física. Ok? Malta culta, com nível. Do enredo, nem vale a pena falar, tal é a trapalhada. Agora vejam-se estes diálogos:

Ela, no Cairo – “aquela é a mais importante mesquita da cidade, o lugar mais sagrado do Cairo (…) é a mesquita de Sayyidna al-Hussein”.
Ele (historiador e tal, visitante assíduo do Cairo por razões profissionais) – “Ah, sim? O que tem ela assim de tão importante?” (quem já foi ao Cairo, mesmo sem ser historiador, sabe que se leva com esta mesquita e a sua história logo no primeiro dia. Claro que para quem não foi e a quem é preciso explicar, a solução é transformar a personagem num parvo ignorante)
Ela – “Dizem que está ali uma das mais sagradas relíquias do Islão, a cabeça de al-Hussein”
Ele – “E quem é esse ?” (Isto é um must!)

Segue-se um diálogo algo extenso para explicar o que são sunitas e xiitas.

Mais à frente:

Ela – “Professor Noronha, sabe qual é a energia libertada por uma bomba atómica?”
Ele – “A energia nuclear?” (vá lá, até aqui o gajo ainda ia…)
Ela – “Sim. Sabe que energia é essa?”
Ele – “Suponho que tenha a ver com os átomos, não é?” (suponho que tenha a ver…., que delícia)

Outra gira. O eminente criptólogo, um dos mais conceituados peritos do planeta, afinal a CIA recorreu a ele e a mais ninguém, na volta só tem que decifrar um simples anagrama e vai tentando fazer a coisa sempre no mesmo papelito amarrotado no bolso, com uma bic, pelas mesas dos cafés. É um método, como qualquer outro, claro. Agora o diálogo, não vá algum leitor não saber o que é um anagrama e não ter um dicionário lá em casa:

Ele – “sabe o que é um anagrama?”
Ela (cientista e tal) – “Já ouvi falar, mas, sinceramente…” (já ouviu falar…)

Sinceramente, digo eu. É que são 574 páginas a este nível. Como é que é possível?

Ó Florbela, põe lá um travão no gajo, pá. Explica-lhe o Princípio de Peter e convence-o a ficar-se por pivot. É que ele vende muito e isso é grave.

7 comentários:

gir@f disse...

Bugs bunny??? eu acho que ele é mais Dumbo...se desse às orelhas aposto que voava.
Quanto ao livro...engraçado, eu já li isso em qualquer lado.....(em mtos livros quero eu dizer)
Eles gostam todos de contar a mesma história, porque será?

Pitx disse...

ponto um
tens noção que a culpa não é dele. a culpa é de quem compra, pá!

ou achas que se ele só tivesse vendido 3278 exemplares estaria desculpado das coisas ruins que faz?

não acho que estejas com aquele sentimento de "este gajo vende muito, deixa-me lá ver por onde lhe posso pegar para deitá-lo abaixo". não, nada disso. mas ficas desde já a saber que esta tua crítica está a ir direitinho para quem comprou a coisa e não para quem a escreveu. agora não esperes é que ele, a editora e o departamento de marketing fiquem quietinhos e não aproveitem a onda, o hype das vendas para ganhar uns trocos. vê a margarida rebelo pinto, devemos censurá-la pelo que escreve ou pelos que compram? e a revista maria? e o joão baião?

ponto dois
sobrevalorizaste o rapaz ainda antes de teres comprado o livro. se ele fosse um assentador de ladrilhos, residente em a-dos-cunhados, e que tivesse terminado a custo o sétimo ano com a ajuda da enciclopédia "alfa estudante" se calhar já o perdoarias de outra forma, não deixando no entanto de considerar o livro fracote na mesma.

ponto três
não tem mal nenhum escreveres este post. aliás as coisas que eu pespego no meu blog são sintomáticas que eu também poderia fazer o que fizeste. mas lembrei-me de me armar em advogado do diabo para ver qual era a sensação. é gira, mas é difícil. na realidade não tinha muitos pontos por onde pegar para defender o rapaz.

ponto quatro
eu não gosto do jrs

ponto cinco
li no teu perfil que gostas do lobo antunes do meio. e a minha pergunta é a seguinte: posso utilizar esta expressão "lobo antunes do meio"? com caneco, ando às voltas para tentar arranjar um sinónimo, algo que identifique os livros que mais gosto do ala - a trilogia de benfica, o fado, etc.. - e nunca encontrei nada mais simples que isto. nibel do catano. deixas?

ponto seis
quando quero sou chatinho, não é?

tcl disse...

Já me fizeste rir com este comentário, Pitx. Imagino o JRS com um ar enojado a assentar ladrilhos de mindinhos no ar, apoiado só nas pontas dos pés para não sujar o coletito e tal...

Quanto aos ALA do meio está à vontade. é que não tenho mesmo outro nome para aquele grupo que começa com o tratado das Paixões da Alma (não é que não goste dos outros antes, mas para mim o must começa aqui) e acaba com a Exortação aos Crocodilos. Bom e as crónicas, claro. As crónicas são sempre as crónicas do ALA.

Nunca o ALA vai passar aqui pelo meu cantinho. Mas de qualquer forma: Melhoras, ALA. Força aí.

gir@f disse...

Ok, peço desculpa, mas um pequeno à parte....
Pitx...pq meter a malta de a-dos-cunhados aqui ao barulho?hum?é gente boa!!!
esta terra fica coladinha à da minha maezinha, casalinhos de alfaiata, freguesia da Silveira, da qual o meu primo é presidente.
A malta de a-dos-cunhados não tem culpa que não gostes do JRS, nada de misturas. Quanto a leituras, ando a reler Isabel Allende (os primeiros) e aceitam-se sugestões originais....

tcl disse...

Mafaldita, adoro a Allende mas há tanta coisa para ler que não há muito tempo para repetições, não é?
Toma lá 4 sugestões (não sei se são originais) de livrinhos que li recentemente e que me agradaram:

- A sombra do vento, de Carlos Ruiz Záfon
- Mulher em Branco, de Rodrigo Guedes de Carvalho
- Na América, de Susan Sontag
- Loucuras de Brooklin, de Paul Auster

Boas leituras!

gir@f disse...

Obrigada pelas sugestões
A Mafaldita é uma tosca, gosta de ir ao baú, passados uns anitos, e reler os livros dos quais gostou. E há outros que estão sempre abertos, como os de Osho, que são para se ir lendo e aprendendo.

Teresa disse...

Ai o que me fizeste rir! (mais meia dúzia de rugas... que se lixe!)

Eu não cheguei ao Cairo, acho que me fiquei por Teerão (seria?), não saboreei estas pérolas...