fevereiro 19, 2009

distância focal

Numa loja de material fotográfico entra este meu amigo, precisamente quando o vendedor, um rapaz simpático e bem falante, enumerava as caraterísisticas de uma câmara a um cliente americano.

Utilizando o seu melhor inglês, aquele que se fala como se se tivesse uma batata quente dentro da boca, dizia o o rapaz:

- you have here a very nice camera, sir, light and compact...
- ......?
- this sir? this is the shutting button
-..........?
- here sir? here you can fix the aperture
- .......?
- ten megapixels, sir
- ........?
- this sir? this is where you can adjust the fucking distance.

O americano olhou para o meu amigo, "the fucking distance...?!" e partiu-se a rir.
O meu amigo olhou para o americano, "the fucking distance!" e partiu-se a rir.
O empregado ficou com cara de parvo a olhar para os dois, que já limpavam as lágrimas e apertavam as barrigas.

E eu parti-me a rir quando ouvi esta história.

fevereiro 18, 2009

rima

gosto tanto
do mar do rio

que

gostava que águas
não rimasse com mágoas

tempo


Vais e vens como um barco de rota incerta, sem hora ou tempo de atracar ao cais.

Já deixei de olhar o horizonte das águas em busca da tua silhueta esguia no contraluz da tarde, já deixei.

Sei que à entrada do porto algo tão leve e efémero como um bater de asas ou um laivo de espuma te fará virar o leme noutra rota de destino que nem tu vislumbras.

Como um menino de calções perseguindo uma bola de sabão, como um gato ziguezagueando uma borboleta.

Num fim de tarde tão improvável como qualquer outro, lá estarás de novo qual barco atracado ao cais sem rota certa ou hora ou tempo, a dizer-me olá como se nada fosse naquela capacidade apenas tua de comprimir as luas num só dia.

palavras ao acaso

se assim fosse o que sou
sem o que tenho
e estivesse onde estou
sem estar aqui
se ousasse ouvir
o rasgar da manhã
no fechar da noite

quanto assim seria
tanto e quanto
como o que não via
ou sentia

(saem as palavras soltas do bico da caneta
dou-lhes forma sem lhes pensar o conteúdo
na mão o instrumento de algo que não sai de mim
mas através de mim passa
numa vontade lassa de sorrir o dia)

fevereiro 15, 2009

o caminho para casa

Ele aproximou-se dela motivado por um sentimento protector que jamais experimentara antes. Nunca as mulheres o tinham verdadeiramente interessado, exceptuando a mãe com quem sempre vivera. Levava uma vida pacata, de dias iguais como grãos de areia, as novidades no jornal da manhã com o café tomado no sítio de sempre, o autocarro para a repartição, o almoço na cantina, o regresso para o jantar maternal e o sofá onde cabeceava frente ao televisor, antes de recolher ao aconchego dos lençóis. Uma vez por mês atendia às necessidades que a sua masculinidade lhe impunha com uma rapariga que parava pelo Conde Redondo.

Os dias corriam assim sem sobressaltos nem outras precisões até que ela se sentou na secretária do fundo, defronte da máquina de escrever já gasta, num ângulo que colidia com o seu olhar sempre que o levantava dos papeis em que preenchia longas colunas de números.

Ela era pequena e leve e tão branca que se podia ver o sangue a percorrer as veias que levantavam a pele translúcida que o invariável preto dos vestidos realçava. Aos seus olhos ela não andava como toda a gente, mas deslizava suavemente a curta distância do chão como que movida pela simples aragem do virar das páginas dos livros de contabilidade. Diria ele que ela se quebraria ao menor toque e ficaria reduzida a um monte de cacos de fino vidro no chão de linóleo, que ele depois teria de varrer por entre lágrimas do remorso de não a ter segurado a tempo.

Assim se chegou a ela, primeiro seguindo-a à distância certa de uma passada e um braço, depois pondo-se ao lado dela e acompanhando-a onde quer que fosse. Ela aceitou aquela presença com a naturalidade de quem, como ela, passava pela vida sem deixar marcas.

E assim se passaram anos, sem que entre os dois se tivesse trocado uma palavra, um toque ou um olhar, ela cada vez mais leve e transparente, ele segurando-a pelo vestido para que não voasse pois reparara que os seus pés, que dantes mal tocavam o chão, agora deslizavam a uns bons 15 cm de altura.

Num dia em que o vento soprava mais forte e ele a acompanhava a casa, uma rajada súbita e a ponta do vestido que ele segurava delicadamente soltou-se-lhe da mão, deixando-o sozinho no passeio enquanto ela evitava as copas das árvores e começava já a ultrapassar os telhados dos prédios.

Nesse momento em que a viu subindo, de vestido preto ondulando suavemente, percebeu que, se não a seguisse, ficaria como ela, cada vez mais leve e vazio até desaparecer de vez. Esqueceu todas as leis da física, que de qualquer modo nunca tinha aprendido como deve ser, e levantou voo a tempo de a ver passar atrás da torre 3 das Amoreiras em direcção a Sul.

Voaram assim, ela à frente e ele seguindo-a, deixando a cidade para trás, primeiro ao longo do rio, depois por cima de campos verdes e amarelos. Quando já não havia casas, nem animais nem pessoas, ela começou a subir mais em direcção ao céu. Ao longe, bem no alto, ele viu uma porta entreaberta. Sentiu-se em paz. Chegava finalmente a casa.

Texto escrito em resposta ao desafio da Ana, do Porta do Vento.

fevereiro 01, 2009

grito

se quiseres
soltar palavras
que já não falas
de tão gastas
que já não ouves
de tão surdas
grita-as molhadas
ao vento e à chuva
e vê como se dissolvem
na liquidez do dia

hoje está...

...bom para--------------------------->>> let's do it!!!!!!!!!!!!



O vídeo, é o menos mau que encontrei no tubo para esta música, mas enfim, o melhor é mesmo a letra do Chico Buarque e a voz rouca de Elza Soares.