outubro 31, 2008

princípio

Hoje ao almoço, na mesa ao lado alguém pediu um café sem princípio.

Desde o Verão que não ouvia isto. Sorri para dentro. Lembrei-me de outra coisa que também ouvi então. "Os amores de praia ficam enterrados na areia". Na altura, não liguei, sem perceber o quanto era verdade o que me foi dito.

Ao contrário do café, amores com princípio, mas também com fim. Enterrados na areia, lá longe. Impossíveis de reencontrar e de desenterrar.

outubro 30, 2008

ermelinda

Ontem num jantar com amigos, depois de verificar que uns quantos tinham escolhido sakê como bebida, expressei o meu desagrado por tal opção com um "ah, mas eu não gosto muito de sakê...". Virei-me para o amigo da esquerda: "e tu, gostas de sakê?". Sorri de contentamento ao "eu não, filha", seguido de um "sendo assim já me posso casar contigo". Não é todos os dias que se têm propostas de casamento. Embora seja coisa que não me veja repetir, não deixa de fazer bem ao ego. Infelizmento, o noivado não durou mais do que uns escassos 3 minutos, pois quando veio o empregado recolher os pedidos, o meu noivo pediu uma cerveja. Não é que eu não goste de cerveja, mas bom, o que me estava a apetecer era mesmo um vinho tinto.

Havendo apenas mais uma amiga interessada no tinto, perguntei ao empregado: "os senhores têm vinho a copo?". A resposta veio breve: "temos sim, D. Ermelinda". Apeteceu-me brincar com ele:

- D. Ermelinda? Ouça cá... Você não me conhece de lado nenhum, porque me está agora a chamar D. Ermelinda?
- D. Ermelinda é o nome do vinho... (entre corado e enfadado, perante a minha aparente ignorância)
- Eu sei, estava a brincar consigo. Mas de qualquer forma não acho bem que me trate por D. Ermelinda, assim sem mais nem menos. Afinal é a primeira vez que aqui venho e nem me chamo Ermelinda.

O empregado sorriu e, até ao fim do jantar, tratou-me sempre por D. Ermelinda. "Está boa a massa de arroz, D. Ermelinda?", "trago mais um copo de vinho, D. Ermelinda?", "e de sobremesa, o que vai ser, D. Ermelinda?". Claro que eu, sempre que precisava de alguma coisa o chamava "D. Ermelinda!"

Adoro gente com sentido de humor e capaz de prolongar uma piadola.

outubro 26, 2008

poemas ao sábado #1

ECOS DE VERÃO

Quando todo o brilho da cidade
me escorre pelas mãos, que já não são
mais que fugidios ecos de verão,
a música dos dias sem idade,
subitamente como fonte ou ave
rompe dentro de mim - e nem eu sei,
neste rumor de tudo quanto amei,
se a luz madrugou ou se chegou tarde.


Eugénio de Andrade

outubro 24, 2008

encruzilhada

Desordenaste a ordem, saltaste etapas
e nem por isso chegaste ao fim.

Fiquei encostada numa esquina do tempo,
esperando que o enganes à socapa
e passes de novo por mim.

outubro 23, 2008

small is beautiful...



...e é por isso que gostava de la linea quando passava na tv. Já não passa há anos, mas felizmente há o tubo. Já aqui há tempos tinha posto uns videos aqui e aqui, mas hoje encontrei um tributo ao autor de la linea (Osvaldo Cavandoli) feito por Patrick Boivin. Não conhecia e tem piada. Enjoy.

feeling dizzy


Sinto-me confusa. Há qualquer coisa que não anda bem. A ver se assento os pés na terra.

embaraço

quando passo à Cordoaria
passo a passo conto os passos
passos que dantes fazia
quem os cordames tecia

conto os nós e conto os laços
da corda que me prendia
no tempo em que em nós havia
nós de tão fortes abraços
nós que eu agoro desfaço
num espaço que me agonia
me consome e me arrepia
como a frieza do aço

meço a passo a Cordoaria
e são menos esses passos

outubro 18, 2008

eu também não

contou-me que aqui há dias, quando atravessava o Jardim da Estrela, um mendigo se abeirou dele, tocou-lhe no braço e lhe segredou ao ouvido

eu só sei que nada sei

ao que ele respondeu

eu nem isso sei


eu também não.

na varanda contando aviões

Vem sentar-te comigo ali na varanda a contar aviões e deixa-te estar em sossego.

Se quiseres, diz-me apenas se quando olhas me vês e nesse caso o que vês.

Se vês um intrincado de moléculas que formam células que se organizam em membros e orgãos. Se cabeça, pele, braços, pernas, se a forma das mãos e o rosado das unhas, se a cor dos cabelos, das pestanas e da penugem sobre a pele. E os tons do riscado da iris que dão a cor aos olhos.

Vês a curva do pescoço, o peito que faz subir a camisola ao compasso leve da respiração e a forma como uma perna se abandona sobre a outra, a ponta do pé volta não volta a apontar o céu. É só isso que vês? É só isso que vês.

E eu ficarei ali a teu lado a contar aviões na varanda e a sentir o teu sossego, esperando o dia em que te lembres de olhar para lá da pele, dos braços, das pernas, do rosado das unhas, da cor dos cabelos e das pestanas, mergulhes dentro dos meus olhos e me vejas a mim.

outubro 14, 2008

outro olhar #2

Para os possíveis interessados no quebra-cabeças de há dias, a solução passava mesmo por conseguir ter o tal "outro olhar".

Vemos uma sequência de números

1
11
21
1211
111221
312211
13112221
1113213211

Automaticamente procuramos uma relação entre eles, eventualmente primeiro numa lógica aritmética, somamos, subtraímos, multiplicamos, dividimos e não chegamos a lado nenhum.

Depois, investimos na lógica visual. Começamos por ver que há números dentro dos números que se repetem, 11, 21, 13, alinhamos o conjunto de números também ao centro e à direita e procuramos o padrão nas diagonais, nas verticais e nas horizontais

1
11
21
1211
111221
312211
13112221
1113213211


1
11
21
1211
111221
312211
13112221
1113213211

E continuamos a não chegar a lado nenhum. Então de repente temos um click (os clicks servem para n coisas) olhamos para os números como se não fossem números e fazemos algo tão simples como ler

1 - começamos com "1" e, na linha seguinte,
11 - esta, traduzimos por números a leitura da linha anterior: um um
21 - e nesta, a mesma coisa, sempre em relação à linha anterior: dois un(s)
1211 - e nesta? um dois e um um
111221 - aqui: um um, um dois e dois un(s)
312211 - três un(s), dois dois e um um
13112221 - um três, um um, dois dois e dois un(s)
1113213211 - um um, um três, dois un(s), três dois e um um

Bom a seguir e tal como descobriu a SC, é só ler a última linha: três un(s), um três, um dois, um um, um três, um dois e dois un(s) e escrver os números do que vamos lendo:

31131211131221

E depois? bom, seria

13211311123113112211

É mesmo uma questão de limpar a cabeça e ver as coisas com outro olhar. :-)

outubro 08, 2008

ameaço de onda


tenho dias
em que tenho
uma saudade imensa
do que não tive nem dei
da pele
do beijo
do cheiro
(não aroma
não perfume)
do meu no teu
olhar todo

ameaço de onda
que não me liquefez
em espuma
e me deixou perdida
na bruma

outro olhar

Às vezes (tantas...) é preciso saber ver as coisas com outro olhar que não o primeiro. Descobrir outros caminhos, fazer outras leituras.

Pensar nisto lembrou-me um quebra-cabeças que me mostraram este Verão na praia e que consumiu algum do meu tempo estirada à sombra do chapéu. Só o resolvi depois de o arrumar e olhar para ele no dia seguinte.

Oferece-se um beijo virtual a quem adivinhar qual o número que vem a seguir:

1
11
21
1211
111221
312211
13112221
1113213211

E quem já quebrou a cabeça e sabe a resposta, que não diga nada, ok?

outubro 06, 2008

smouquing tomates

foto roubada algures na net

Como ando a fumar demais, adoptei o sistema do relógio despertador. À falta de melhor uso mesmo o do fogão. Fumo um cigarrito e marco 45 minutos. Só me dou ordem para consumir a maldita nicotina outra vez quando aquilo toca.

Não se imagina a quantidade de vezes que pego no maço antes do trrimm. Depois lembro-me e pouso-o. Porcaria de vício...

clicks

Aqui há tempos um amigo contou-me que, muitos anos antes, tinha percebido que afinal não gostava da namorada num dia em que a vira a andar de bicicleta com uma camisa larga que enfunava com o vento que lhe entrava por baixo, fazendo dela um enorme balão com uma cabecinha no topo e umas perninhas em baixo. A imagem fora de tal forma ridícula a seus olhos que teve aquele click que lhe faltava para entender que não era aquela a mulher dos seus sonhos.

Tenho a sensação que me aconteceu algo do género aqui há uns dias quando corria pela Rua de S. Bento abaixo actuando numa performance do meu ex-coro, em trajes de marujo mal amanhado, suada e de maquilhagem já borrada.

O meu vizinho diz que eu corro muito mal, sem qualquer elegância.

Concordo. É imagem para provocar clicks em qualquer pretendente que se preze.

e agora...



... a apetecer-me fingir que não tenho nada para fazer e ir ali para a minha varanda, sentar-me numa das cadeiras de plástico já baças de tanto sol, apoiar os pés na guarda e pôr-me a ver o tempo a passar.

Assim, só isto. Enfiar-me no tempo de forma a sentir quanto tempo demora o tempo a passar. Eventualmente fumar um cigarro e beber um copo de vodca tirada directamente do congelador a que juntasse duas pedras de gelo.

Assim, só isto. Ver as luzes do outro lado do estuário, os picos da ponte, o cristo-rei, os telhados do primeiro plano no contra-luz da noite e esperar o tempo. Senti-lo a passar, esperar que os segundos saiam a seu tempo do relógio, em fila indiana, cada segundo segurando no bibe do segundo que vai à sua frente sem atropelos nem pressas.

Quanto tempo demora o teu tempo? Quanto tempo demora o meu? Por vezes encontramo-nos no espaço. Espero com tempo, que o tempo passe e nos encontremos no tempo.

outubro 05, 2008

valse avec bachir

De novo a Festa do Cinema Francês, desta vez em má altura para mim, com muito pouco tempo livre para diversões :-(. Mas lá vou arranjando uns buraquinhos de tempo para largar o teclado, meter-me no carro, ir até ao S.Jorge e sentar-me um pedaço na sala escura a receber as imagens que me entram pelos olhos.

Em geral escolho filmes que provavelmente não irão entrar nos circuitos comerciais portugueses, a maioria das vezes de realizadores de quem nunca ouvi falar mas cujas sinopses me despertam a curiosidade. Com este critério, já vi noutros festivais filmes espantosos e também já aguentei valentes estopadas. Ontem fui ver Valse avec Bachir, um documentário em animação de um realizador israelita - Ari Folman. Recomendo uma visita ao site oficial e atenção à programação das salas, pois este, tal como Persepolis no ano passado, vai com certeza aparecer.

É um filme fantástico sobre a guerra entre Israel e o Líbano e o tristemente célebre massacre de palestinianos civis, revisitados através das memórias de alguns que à altura não eram mais do que simples soldados imberbes e assustados, entre eles o próprio Ari Folman que tenta, através de entrevistas a antigos camaradas, recordar o que a memória lhe nega, de tão dura que fora a vivência daqueles tempos.

E essas memórias que pouco a pouco se desvendam são terríveis. Mesmo que a opção pela animação consiga, de certa forma, afastar emocionalmente o espectador da realidade nua e crua não se fica imune ao peso do filme. Percebemos que por detrás dos bonecos estão pessoas, que as vozes são reais nas entrevistas, que os cenários são verdadeiros, talvez pela técnica usada de desenhar sobre imagens em vídeo.

Um documentário impressionante e comovente, um filme de animação tecnicamente espantoso, a música perfeita. Deixo o trailer, para espevitar vontades.

outubro 03, 2008

now here bridges to nowhere


pontes
pontes que ligam espaços
e estreitam diferenças
pontes que separam tempos
frágeis como teias

atravesso pontes
sem saber o que está
do lado de lá

de olhos fechados
seguir

de olhos abertos
parar a meio
hesitar
e voltar para trás

medo
medo do nevoeiro
em que se esconde
a ponte

pontes são uniões
pontes são caminhos
sobre as águas que nos separam

bridges are ways over the waters

now here bridges to nowhere
bridges to nowhere