julho 25, 2007

tears on my pillow

Vá-se lá saber porque havia de me lembrar desta música hoje...

Tão depressa posso acordar com "Recado a Lisboa" do João Villaret como com "Qualquer Coisa" do Caetano Veloso.

O que é certo é que, felizmente, acordo sempre com uma musiquinha qualquer na cabeça que aproveito para cantarolar no duche. Às vezes são músicas que não lembra, pimbas até dizer chega, outras são temas mais sofisticados como os que canto lá no coro. Normalmente são coisas que ouvi na véspera e que ficaram no subconsciente. Outras vezes, não faço a mínima ideia onde fui buscar canções de que já nem me lembrava.

É o caso de "Tears on my pillow" que constava de uma cassete gravada a partir de um programa de rádio do tempo em que eu estudava pela noite fora e em que, de vez em quando, apanhava um programa mesmo bestial que passava assim duma assentada uma colectânea que dava umas cassetes óptimas para se ouvirem no carro. A cassete já era, de forma que me pus à procura da coisa no youtube, já que mal me lembrava da música e ainda menos da letra. Não encontrei a versão que tinha gravada, cantada já nem sei por quem dos anos 50, mas em contrapartida dei com esta dos Sha Na Na que achei uma maravilha:


You don't remember me, but I remember you
'T was not so long ago, you broke my heart in two
Tears on my pillow, pain in my heart, caused by you, you
If we could start anew, I wouldn't hesitate
I'd gladly take you back, and tempt the hands of fate
Tears on my pillow, pain in my heart, caused by you, you, you,you
Love is not a gadget, love is not a toy
When you find the one you love, he'll fill your heart with joy
If we could start anew, I wouldn't hesitate
I'd gladly take you back, and tempt the hands of fate
Tears on my pillow, pain in my heart, caused by you, you
No, no no no now, no, no no

julho 24, 2007

como é que era mesmo aquele anúncio?

Havia um anúncio, creio que da coca-cola light, em que todos os dias à mesma hora as funcionárias de um qualquer escritório iam todas à janela para verem um rapazinho jeitoso; era a hora coca-cola light.

Pois bem, está decidido. Vou passar a vir almoçar a casa mais vezes. Sai mais barato, a tasca do costume está encerrada para descanso do pessoal, e depois há destas surpresas: estava eu à janela das traseiras a pendurar uma roupita que tinha deixado de manhã a lavar quando na varanda em frente aparece o vizinho todo nu a pôr uma almofada de sofá ao sol.

Eta, que rapaz descontraído! Está visto que o meu vizinho é mais envergonhado na praia que na varanda das traseiras no que respeita a mostrar as partes pudibundas, a avaliar pela diferença de tonalidade entre estas e o resto do corpo.

À tarde, quando regressei, a almofada já lá não estava. Que pena...
Quem sabe amanhã haja mais almofadas para lavar. Pelo sim, pelo não, deixo um bifito a descongelar. Pode ser que tenha sorte.

smell is not beautiful

Da próxima vez que tiver de andar por essa Lisboa durante 45 minutos a distribuir meninos e respectivos instrumentos de cordas, amplificadores e o diabo a sete, que estiveram 12 horas enfiados num quartinho minúsculo em casa do baterista (pobres pais, coitados) a gravar trechos de heavy metal, juro que levo uma máscara de oxigénio.

É que nem as janelas abertas me valeram.

julho 22, 2007

Black Baby I still love you

Quando eu era miúda morava uma família no prédio dos meus pais composta por uma mãe e cinco Jorges, sendo que quatro deles eram filhos do outro. Dois dos Jorges, o Pedro J e o Paulo J eram mais ou menos da minha idade, daí que as minhas brincadeiras de criança eram muito mais trepar às árvores, andar de carrinhos de rolamentos e fazer corridas de caricas do que propriamente brincar com bonecas.

Para isso contribuiu também o facto de a única pessoa relativamente abastada da minha família, uma tia cujo marido era proprietário de um armazém de revenda de atoalhados e afins na província, me presentear sempre nos anos e no natal com um imenso pacote pleno de lençóis, panos de cozinha, metros de nastro bordado para aplicações diversas, conjuntos de toalhas de banho, enfim um pacote que qualquer criança de 8 anos invejaria…

Está visto que bonecas eram coisa que não abundava lá em casa, até porque o que eu gostava mesmo era de lhes cortar os cabelos e os meus pais acabaram por desistir de me comprar mais perante a visão desoladora das cabeças carecas da cindy e da samantha.

Houve no entanto dois bonecos que me acompanharam incólumes até bem tarde: um urso de peluche que partilhou a minha cama anos a fio, até ficar tão coçado (mas inteiro) que a minha mãe acabou por fingir que o deitava fora apesar dos meus protestos e lágrimas, e um bebé chorão preto que ainda hoje tenho guardado no coração. Também tive um bebé chorão branco, de cabelos loiros (que rapidamente viram a tesoura) e olhos azuis, mas nunca lhe liguei nenhuma. Eu gostava mesmo era do meu bebé preto, dos caracóis negros, dos olhos de carvão. Despia-o, lavava-o, fazia-lhe festas sem fim, dava-lhe beijos e voltava a vesti-lo.

Durante muito tempo não percebi esta minha predilecção pelo bebé preto.

Mais tarde, quando calhou ter nos braços pela primeira vez um bebé preto de carne e osso, é que percebi: não há no mundo pele mais macia que a de um bebé preto.

julho 11, 2007

pisco

Foi construindo a casa ao invés do normal, de dentro para fora em vez de fora para dentro e de baixo para cima em vez de cima para baixo.

Protegeu-se da chuva e do sol junto a cinco acácias que nasciam à beira-ria e esqueceu-se do tempo. Do tempo em que pescava para se alimentar e aos filhos.

Já não precisava das redes, das bóias e dos outros apetrechos e com eles se recolheu por baixo das acácias. Guardou o barco para ir a terra quando o mar e a ria não lhe chegassem, o que se foi tornando cada vez mais raro.

De pescador de peixes passou a pescador de sonhos e de destroços que o mar largava na praia, do outro lado da duna.

Com areia e cimento misturou garrafas partidas e inteiras, latas, conchas, estrelas do mar, caixas de madeira, braços e cabeças de bonecas com e sem olhos, baldes de plástico coloridos esquecidos por mãos pequeninas e chorados em casa, pazinhas, pedras, paus, ferros e redes de pesca. Assim foi construindo a sua gruta no meio das acácias e um muro à volta delas pintado de cor-de-rosa nos intervalos das coisas, destacando-se como uma flor colorida na paisagem de areia e sal.

Ganhou fama de excêntrico, eremita, louco.

Todos os anos o muro crescia mais uns palmos, outros braços de outras bonecas, mais moinhos de vento, mais latas embutidas e penduradas que cantavam ao sabor do vento.

Um dia o muro deixou de crescer e começou a abrir rachas e fendas por onde saíam pedaços da sua estrutura de recordações.

O velho Pisco tinha morrido.

A gruta foi-se lentamente abrindo à ria, ao mar e aos outros que, como eu, lhe invadem agora os domínios. O muro já não cor-de-rosa mas branco, rodeando as acácias, solta de vez em quando mais uma cabeça de boneca com ou sem olhos, mais um braço, mais uma concha, mais um balde de plástico, tentando devolver ao mar a memória e os sonhos do Pisco.

julho 03, 2007

O vento traz-te o cheiro quente das estevas.
Estradas de pó por entre matos cobrindo serras.
Finalmente um vale, o verde do mar que te olha liso e profundo, como profundo era o seu abraço, pele na pele, lábios que te afloravam a curva do pescoço, a penugem de sal. Sabes a mar, dissera ele um dia e isso bastara.
Deitas-te na areia e olhas as estrelas que se agrupam em nomes que os homens lhes deram e ele te ensinou: cassiopeia, escorpião, as duas ursas, orion.
A lua nasce vermelha no horizonte rectilíneo, apagando estrelas e acendendo sombras,

Partira cedo de mais, deixando-te um filho e depois um neto onde agora o revês.
A mão pequenina pousa na tua, aponta para cima e mostra-te o mapa do céu.
Vês, avó? Cassiopeia, escorpião, as duas ursas, orion.
Fechas os olhos, sentes os lábios de novo na curva do pescoço, a língua na tua penugem de sal.
Sabes a mar, dissera ele.

Seguras na tua a mão pequenina, regressas à casa onde o abraço profundo.
Adormeces com o cheiro dele no teu olhar.