novembro 01, 2006

Vi-te ao longe, aproximei-me devagarinho e, sem que desses por isso, pousei-te no ombro. Inspirei com força e cheirou-me bem. Ao de leve toquei a tua pele e estremeci.

Cheguei-me mais um pouquinho, enfiei-me entre o colarinho da camisa e o pescoço e fiquei assim, quietinha, a avaliar a temperatura do teu corpo, a ouvir a tua voz e o teu riso.

Percebi que eras tu.

Subi para a orelha e entrei pelo ouvido. Percorri canais, veias, artérias, dei cambalhotas em músculos, trepei por ossos e tendões, espreitei para fora e vi o mundo pelos teus olhos, respirei o ar dos teus pulmões, bebi o teu sangue e brinquei na tua boca.

Ao fim do dia já estava cansada, mas sentia-me tão bem que, em vez de me ir embora, resolvi ficar mais um dia e procurar um lugar para dormir. Encontrei o coração e o seu bater compassado massajou-me o corpo e embalou-me. Dormi como um anjo.

Acordei no dia seguinte e vi que o coração estava iluminado. Dei uma volta pelo cérebro, esquivei-me de sinapses, desarrumei pensamentos e memórias, abri e fechei caixinhas escondidas de onde saíam surpresas e promessas de descobertas sem fim. Li alguns dos pensamentos e gostei. Mirei-me nas memórias como num espelho. No fim, tentei arrumar tudo no mesmo lugar, mas não sei se consegui.

Senti-me feliz, percebi que em ti tinha tudo o que precisava e fui ficando.

Desde esse dia que tu és a minha casa. Durmo no teu coração, passeio pelo teu corpo, embriago-me com o teu sangue e descubro mistérios na tua cabeça.

De vez em quando, faço-te cócegas nos dentes e tu sorris sem saberes porquê.

2 comentários:

Pitx disse...

Manda-me uma tua morada qualquer para aqui pedromigueljaime@gmail.com e teri todo o gosto em enviar-te uma cópia do Drama 3º ato.

Ai que saudades....

José Pedro Viegas disse...

Este texto está simplesmente divinal. O tema, as palavras, as frases que entroncam num encadeamento fabuloso, ternurento.
Continua. Tens muito para transmitir.
Parabéns.