agosto 23, 2008

entre serpa e mértola




Trago ainda os olhos cheios de Alentejo, daquele suave ondulado que só lá, dos amarelos do restolho e onde não há restolho a terra quase vermelha, do negro e cinzento e castanho do xisto, das azinheiras, oliveiras, sobreiros e pinheiros espaçados em compassos de acaso, pintalgando a paisagem de manchas verdes sobre sombras escuras onde pasmam ovelhas.

Trago o cheiro a estevas colado nas narinas, peganhento, doce, quente, cheiro que me aviva na memória aquele Verão de há vinte anos, ou talvez mais, em que descemos a costa alentejana com uma tenda e um fiat127, dormindo pelas praias, tomando banho só no mar até que ao fim de 9 dias já quase não nos conseguíamos mexer de tanto sal, pele castanha de tanto sol.

Trago o gozo de fazer aquelas estradas estreitinhas sempre a direito, curvas só na vertical, a 100 à hora até parece que vamos voar nas lombas e atropelar as perdizes que atravessam a correr, mas não voamos pois que o ondulado do Alentejo é suave e mesmo a acelerar e a gritar "a los moros, Sebastian el lusitano!!!" só com muita imaginação se sente o estômago a tocar na garganta.

Trago as casas e as igrejas caiadas de branco contra um céu azul ferrete, sombras lineares nas paredes, calçadas varridas, quatro mulheres e dois cães a bordar toalhas enquanto o Guadiana se espreguiça lá em baixo afagando um porto onde dantes atracavam vapores para carregar minério e agora só dois ou três barquinhos de recreio.

Trago as noites quentes sem uma aragem sob um céu de lua cheia, os homens sentados à porta das tabernas e as mulheres à das casas, portas abertas por onde se vêem mesas, cadeiras, naperons em cima dos móveis e em cima dos naperons uma jarra de flores, uma moldura com uma fotografia e uma estatueta de loiça em que dois meninos rechonchudos dão um beijinho na boca enquanto esticam as mãozinhas sapudas para trás.

Trago o vinho tinto da casa em jarrinhas de barro, a sopa de cação com coentros, as migas com carne de porco, o ensopado de borrego, o arroz de lebre, a sericaia e a tigelada de ovos.

Meu Deus, como eu adoro o Alentejo.


agosto 14, 2008

nomes #3

Mais dois nomes fantásticos com direito a PRÉMIO no Falabarata.

1 - O prémio "para pôr onde???" vai para o desodorizante "Zirconal", adquirido numa farmácia decente e de eficácia razoável. Só encontrei na net à venda para pés. O meu é para as axilas, mesmo.


2 - O prémio "quinta de quê???" vai para o vinho "Quinta de Porrais", Douro, tinto, 2006 (o da foto é branco, mas vai a dar no mesmo). Bastante correcto na relação prazer de o beber / custo, foi escolhido apenas pelo nome. Tive sorte. Na pesquisa cibernáutica descobri que Porrais é mesmo uma terra e não a 2ª pessoa do plural do presente do indicativo do verbo (desconhecido para mim) porrar. Fiquei a pensar como se chamariam os habitantes de Porrais. Porrenses? Porraiences? Porraietas?

i think i've gone crazy

Quando o dia de trabalho não me chega, nem de perto nem de longe, para a quantidade disparatada de coisas que tenho de fazer derivadaofacto de metade da malta estar de férias, não me restando outra solução que não a de trazer trabalho para casa e, chegando a estas lindas horas ainda a procissão vai no adro, acho mesmo que estou muito mais maluca do que este dad aqui em baixo.

Tanto mais que, deste esforço só recebo agradecimentos. Embora simpáticos, uns cobres extra no bolso dar-me-iam muito mais jeito.

Só não me digam que os funcionários públicos são TODOS uns calões, que não fazem nada, que só servem para levar a massa dos impostos e patati e patatá, ok?

É que não estou mesmo com disposição para ouvir esse tipo de merdas.

agosto 06, 2008

ácido desoxirribonucleico


Põem-me dentro de uma caixa num apartamento em Lisboa. Quando a caixa se volta a abrir os cheiros são todos diferentes. Saio com cautela, abro as narinas e aspiro o ar com força. Tacteio o chão onde se me enterram as patas, deambulo devagar a reconhecer o sítio, roço os bigodes por todos os lugares. Não vejo o sofá, nem as camas, nem a mesa onde me costumo espreguiçar num raio de sol. Não vejo os telhados nem o rio ao longe, nem ouço as andorinhas a esvoaçar piando.

Vejo verde, árvores com as folhas a adejar ao vento, um chão de tijoleira, um deck de madeira que cobre a areia e um muro. O cheiro novo e forte aguça-me de novo os sentidos. Quero ver o que há para lá do muro.

E de repente, sem saber como, dou comigo em cima das árvores passeando pelos troncos como se nunca tivesse feito outra coisa na vida. As unhas afinal não são só para rasgar os sofás; são fantásticas para estas incursões no mundo vegetal. Daqui de cima vejo o mar ali tão perto, a brancura do areal, o colorido dos chapéus de sol, as pessoas. Logo à noite, quando não houver lá ninguém, vou ver como é o mar mais de perto.

Entretanto, caço pardalinhos em ataques surpresa ou fico-me por aqui, a dormitar, dissimulado por entre a folhagem e de cauda pendurada.

Como um leopardo.

agosto 01, 2008

ni tin só ni

Parece que Agosto é o mês de Nitin Sawhney. Percebi isso quando fui à procura da outra entrada que tinha feito a propósito e verifiquei que foi há um ano. Curioso. Não sei o que tem o Verão que ver com o Nitin, mas deve haver qualquer razão que me escapa.

Eu já conhecia bem este album:

Nestas férias, um amigo da praia* teve a gentileza de passar estes dois para o meu pc:



Não me canso de os ouvir. Passei as últimas noites numa de vira o disco e toca o mesmo. Uma das coisas que me encanta nos discos do Nitin é a variedade de influências, de sons, de vozes, de línguas e de instrumentos, de registos musicais. É difícil escolher uma música de qualquer um destes discos pois o bom mesmo é ouvi-los do princípio ao fim sem interrupções.

Gosto das raízes indianas, do toque por vezes electrónico, por vezes de trip-hop ou até de rap ou de quaisquer outras coisas que nem sei identificar. Enfim, gosto do Nitin Sawhney.

Destes dois últimos albuns, deixo dois dos vídeos que encontrei no tubo, e um link para uma outra musiquinha: aqui, é só picar em Dead Man. bem gostava de vos deixar links para Mausam ou para Void ou para Noches en Vela mas não dei com elas.




* Obrigada, ó Paulinho!