Trago o cheiro a estevas colado nas narinas, peganhento, doce, quente, cheiro que me aviva na memória aquele Verão de há vinte anos, ou talvez mais, em que descemos a costa alentejana com uma tenda e um fiat127, dormindo pelas praias, tomando banho só no mar até que ao fim de 9 dias já quase não nos conseguíamos mexer de tanto sal, pele castanha de tanto sol.
Trago o gozo de fazer aquelas estradas estreitinhas sempre a direito, curvas só na vertical, a 100 à hora até parece que vamos voar nas lombas e atropelar as perdizes que atravessam a correr, mas não voamos pois que o ondulado do Alentejo é suave e mesmo a acelerar e a gritar "a los moros, Sebastian el lusitano!!!" só com muita imaginação se sente o estômago a tocar na garganta.
Trago as casas e as igrejas caiadas de branco contra um céu azul ferrete, sombras lineares nas paredes, calçadas varridas, quatro mulheres e dois cães a bordar toalhas enquanto o Guadiana se espreguiça lá em baixo afagando um porto onde dantes atracavam vapores para carregar minério e agora só dois ou três barquinhos de recreio.
Trago as noites quentes sem uma aragem sob um céu de lua cheia, os homens sentados à porta das tabernas e as mulheres à das casas, portas abertas por onde se vêem mesas, cadeiras, naperons em cima dos móveis e em cima dos naperons uma jarra de flores, uma moldura com uma fotografia e uma estatueta de loiça em que dois meninos rechonchudos dão um beijinho na boca enquanto esticam as mãozinhas sapudas para trás.
Trago o vinho tinto da casa em jarrinhas de barro, a sopa de cação com coentros, as migas com carne de porco, o ensopado de borrego, o arroz de lebre, a sericaia e a tigelada de ovos.
Meu Deus, como eu adoro o Alentejo.