julho 10, 2009

o regresso aos mutantes


E tal como há a vontade sempre premente que me leva para destinos longínquos e desconhecidos, há o caminho repetidamente traçado que todos os anos me traz a esta língua de areia ao Sul que teimosamente resiste aos avanços do mar que se abre para lá dos sapais.

E sempre que volto é doce, mas tão forte como se uma primeira vez fora, este reencontro com o areal que se estende vazio e impoluto nos passeios solitários de fins de tarde e manhãs de sol rasante, em que mais não ouço do que o vento nas dunas, o rebentar macio das ondas, os pios das gaivotas e andorinhas do mar.

O mesmo areal que desliza suave sob os meus passos, as mesmas conchas e algas e peixes e pedrinhas, os mesmos golpes fininhos nos pés que, entre caranguejos pretos e caranguejos laranja, se afundam no lodo negro da ria quando teimo em ir descalça pela maré vaza ver os progressos das ostras da Clara, as mesmas bebidas ao pôr-do-sol generosamente servidas no bar da Vera, os amigos que são os amigos daqui e que estranho se o acaso nos cruza depois em roupas de Lisboa, os avanços das crianças que orgulhosamente exibem dentes novos e mais 10 cm que no ano anterior, a lua cheia que se reflecte num caminho dourado sobre o mar chão, as conversas à noite num qualquer terraço de uma qualquer casa sobre a praia à luz das velas e dos candeeiros a gás.

É assim regressar à ilha. Reencontrar o que parece que não muda mas muda, pois que as conchas e pedras e algas são no todo as mesmas, mas são outras enquanto unas, tal como as gaivotas, os peixes e as andorinhas do mar, ou a escultura que reune todos os lixos que o mar traz e que vai crescendo ao sabor de quem passa e lhe acrescenta mais uma garrafa, mais uma bota, mais uma troço de rede de pesca, mais uma cana.

E é isto que faz com que o repetido retorno tenha o sabor da tranquilidade de uma rotina, mas também o espanto da descoberta das coisas mutantes.

2 comentários:

ze sc disse...

Muito bem, assim é que é!... Há que dar o prazer da leitura a quem não está de férias. Nem nesse paraíso que é a parte mais africana de Portugal (do por do sol, às "palhotas"...) :-)

MariaV disse...

Estava a ver que te esquecias de quem como eu gosta tanto do que escreves. Beijo