Nunca as vi em mais sítio nenhum. Só as conheço das ilhas barreira da Ria Formosa e foi aí que aprendi a considerá-las coisa cada vez mais rara e, por isso, preciosa. É-me indiferente que existam aos milhares em qualquer outro canto do planeta; para mim elas são o “ex-libris” das ilhas e, se algum dia as vir noutro local, permitir-me-ei julgar que alguma corrente marítima as levou à má fila das ilhas para aí.
Não sei como é o bicho que vive lá dentro, nunca as vi habitadas, mas sim habitando em todas as casas da ilha em que passo férias, onde perdem definitivamente o seu estatuto de aconchego protector de um qualquer ser vivo para passarem a ter utilizações bem mais prosaicas – saboneteiras, cinzeiros, depósitos de inutilidades-que-se-guardam-à-espera-do-dia-em-que-talvez-sejam-precisas.
Para mim, são objectos belos, com o seu riscado ondulante que deixa adivinhar os períodos de crescimento. Ao que me dizem, dantes apareciam muitas a rebolar nas águas baixas das marés-vazias. Agora, encontrá-las é um privilégio. Podem-se andar quilómetros à beira-mar sem dar com nenhuma, mesmo que os olhos não larguem a areia da maré-baixa.
Caprichosas, não se deixam apanhar por qualquer um, antes escolhendo junto de quem querem passar o resto dos seus dias intactas em vez de se verem reduzidas, mais cedo ou mais tarde, a fragmentos da areia das praias.
O encontro com uma, branca e imaculada, é pois um acontecimento fortuito, fruto do acaso e da conjugação de múltiplos factos e improváveis coincidências.
Esta veio-me bater nos pés no rebentar de uma onda baixinha enquanto caminhava num dos meus longos passeios matinais até à barra. Como se me dissesse: aqui estou eu, leva-me contigo e guarda-me ou oferece-me a alguém que te seja caro. Foi o que fiz.